domingo, 11 de junho de 2017

64ª sessão: dia 13 de Junho (Terça-Feira), às 21h30


Pouco tempo depois de termos visto Um Mundo Perfeito (também o vimos em Thunderbolt and Lightfoot de Michael Cimino e em Escape from Alcatraz do mestre Siegel - em Outubro e Novembro, respectivamente) eis que Clint Eastwood, porventura o maior dos cineastas vivos, está de volta ao nosso cineclube.

Um Crime Real, a nossa próxima sessão, é uma das obras mais negras e ambíguas da sua carreira, e também das mais menosprezadas. É a história de um polémico jornalista que gosta de se movimentar na corda bamba, da bebida e de mulheres e que vai ter poucas horas para confirmar a verdade do seu faro e salvar um condenado à morte; sendo ainda um poderosíssimo mergulho no famoso individualismo americano.

A sessão partiu de uma carta-branca a Daniel Pereira (comparsa do Capitão Napalm que nos apresentou Brian De Palma a semana passada, no blog O Sabor da Cerveja), que apresentará a sessão em vídeo.

Em 1999, Eastwood, falando tanto da sua personagem como da de Beechum, o condenado à morte, disse que "este tipo (Everett) é uma espécie de tipo auto-destrutivo e tem uma família que o adora mas isso parece não ser suficiente, parece que tem que a destruir. E o que torna esta história interessante é que a vítima no caso (Beechum)  é uma vítima falsamente acusada, ou achamos que é, quando o encontramos. É mesmo um homem de família e tenta manter a família em ordem e fazer as coisas todas que o nosso herói não faz."

Luís Miguel Oliveira, que nos visitou em Braga para falar de Scorsese e também nos apresentou The Thing, escreveu sobre este filme de Eastwood por alturas da estreia, dizendo que "aparentemente mais convencional do que qualquer um dos últimos filmes de Clint Eastwood, sem nenhum pressuposto de fundo temático ou formal imediatamente visível, e partindo de um argumento algo banal que poderia ser utilizado por inúmeras rotineiras produções de Hollywood, Um Crime Real é no entanto, e por paradoxal que possa parecer, um filme exemplar na demonstração do estatuto ímpar que Eastwood/cineasta adquiriu no cinema americano. Dir-se-ia mesmo que é precisamente por tudo parecer tão banal (e essa "banalidade" terá ditado o insucesso comercial, quando não crítico, do filme) que essa fundamental diferença de Eastwood, medida em termos de talento, se revela com mais clareza. 

"À boa maneira "clássica", há dois filmes em Um Crime Real: o primeiro corresponde às regras da indústria e desenrola-se segundo fórmulas, temas e géneros consagrados, o que neste caso equivale à história de um condenado à morte cuja inocência tem que ser provada, em "last minute rescue", nas 24 horas que antecedem a sua execução; o segundo, que mantém com o primeiro relações meramente tangenciais (ou por outra, que se "serve" dele), é o filme que Clint Eastwood quer fazer e que tem nesta matriz apenas o pretexto para partir para outra coisa e outros lugares, mais pessoais."

Inácio Araújo, que há pouco tempo nos apresentou Heat de Michael Mann, também escreveu sobre o filme, para a Folha de São Paulo, dizendo que "são tantos os aspectos a observar em Um Crime Real que mais vale isolar um deles, à primeira vista contingente, que é a função da TV na vida contemporânea. O novo filme de Clint Eastwood tem dois pólos. Num, está Frank Beechum, um presidiário negro, no dia de sua execução. No outro, o veterano repórter Steve Everett, cínico, frustrado e mulherengo. Tendo herdado a missão de entrevistar Beechum, ele chega à conclusão de que a culpabilidade do condenado não está estabelecida. O desimportante "Oakland Tribune" quer dele uma reportagem "humana": como se sente o condenado no dia da morte, se está arrependido, essas coisas. Algo não muito diferente do que faz a TV, em suma. A TV não faz senão martelar o óbvio cretinizante: declarações deste ou daquele, detalhes sobre a execução, entrevista com a testemunha do crime etc. etc.

"À parte o cinismo transbordante, no entanto, Steve considera que existe uma relação entre jornalismo e verdade. Nas poucas horas que lhe restam, está disposto a investigar o caso e a demonstrar que ainda tem "faro" para a notícia. A rigor, a afirmação contida no filme é: a TV tudo pode. Uma mentira repetida ali à saciedade torna-se verdade. Isso faz menos parte da diretriz editorial de tal ou tal rede do que da própria lógica do veículo. Se existe um morto, tem que haver um culpado. Se há alguém que parece culpado, esse é o culpado. A revolta popular por um crime tem que encontrar uma resposta, e essa resposta tem de ser a morte de alguém. A verdade não tem nada a ver com isso."

Até Terça-Feira!

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