domingo, 11 de fevereiro de 2018

81ª sessão: dia 13 de Fevereiro (Terça-Feira), às 21h30


No grande ecrã do Cinemax, já nesta Terça-Feira, veremos a declaração de guerra do vagabundo no campo de batalha, de sonhos e pesadelos que é a nossa próxima sessão, O Grande Ditador. Além de danças com o mundo, coreografias com navalhas ou discursos incompreensíveis, Chaplin também escreveu o seu nome na História ao acelerar a reacção mundial ao nazismo e às atrocidades de Hitler, ainda não conhecidas por inteiro.

Saído do sucesso moderado de Tempos Modernos e à procura de um novo projecto, Chaplin lembrou na sua auto-biografia que “agora estava-se a preparar outra guerra e eu estava a tentar escrever uma história para a Paulette; mas não conseguia fazer progressos. Como é que me podia atirar a caprichos femininos ou pensar em romance ou nos problemas do amor quando a loucura estava a ser agitada por um grotesco medonho, Adolf Hitler? 

"Em 1937, Alexander Korda tinha-me sugerido que eu devia fazer uma história sobre Hitler baseada em confusão de identidades, por Hitler ter o mesmo bigode que o vagabundo: podia interpretar ambas as personagens, disse ele. Não achei a ideia grande coisa, na altura, mas agora era actual, e eu estava desesperado por voltar a trabalhar. Então, de repente, apercebi-me. Claro! Como Hitler, podia agredir as multidões com jargão e com conversa quanto quisesse. E como o vagabundo podia ficar mais ou menos silencioso. Uma história sobre Hitler era uma oportunidade para o burlesco e para a pantomima. Portanto apressei-me de volta para a Hollywood com este entusiasmo e comecei a trabalhar na escrita de um guião. A história levou dois anos a desenvolver. 

"Pensei na sequência de abertura, que ia começar com uma cena de batalha da primeira Grande Guerra, mostrando a Grande Berta, com o seu alcance de tiro de setenta e cinco milhas, com que os alemães pretendiam impressionar os aliados. É suposto destruir a a catedral de Rheims – em vez disso falha o alvo e destrói um chuveiro de exteriores.”

Em Comic Mind, Gerald Mast escreveu que "o filme tem grandes momentos cómicos. Os dois ditadores, Hynkel e Napolloni (Jack Oakie), competem numa série de jogos de liderança hilariante, que culmina numa batalha de arremesso de comida numa mesa de buffet (que voltaria a aparecer na batalha política de comida em Doutor Estranhoamor). Os discursos delirantes de Hynkel são tão febris que até os microfones derretem e se dobram. A meio da sua fúria oratória, o ditador faz uma pausa com um copo de água para refrescar a sua garganta sobreaquecida. Também entorna alguma água pelas calças abaixo; os órgãos genitais dele estão tão sobreaquecidos como as suas amígdalas. Com este gesto, Chaplin sugere que a mania Nazi tem tanto que ver com os órgãos sexuais como com palavras, e mais que ver com ambas as coisas do que com ideias. Também há um toque de humor irónico na pequena placa colorida, pintada em velha escrita alemã, rodeada por flores pitorescas, onde se lê "Ghetto." (Este contraste entre o "pitoresco" e a realidade remonta a O Emigrante.) Para os judeus que vivem nesse gueto, a existência não é nem colorida nem pitoresca. 

"Há dois momentos supremos de magia chaplinesca no filme—e acontecem um a seguir ao outro. Apesar do facto do filme ser falado, ambos os momentos usam movimento físico, a grande habilidade de Chaplin, sublinhado com um pedaço de música perfeitamente harmonioso. No primeiro, Chaplin transpõe o globo terrestre para um balão flutuante. Hynkel, saciando os seus sonhos de conquista do mundo, levanta o globo do seu suporte de madeira e depois lança-o pelo espaço para satisfazer as suas fantasias. Atira-o ao ar, apanha-o, atira-o outra vez, salta sem esforço para a sua secretária para continuar o jogo, bate no globo-balão com os pés, com a cabeça, a parte traseira. O ditador e o mundo dele são transformados numa foca treinada com uma bola, uma criança com um brinquedo, uma dançarina "especializada" com a sua bolha. A "transformação de objectos" de Chaplin serve de forma cómica a intenção séria de psicanalisar e desacreditar os sonhos de conquista do Führer. A dança deslizante e líquida quase parece ser filmada em câmara lenta. E Chaplin sublinha a lentidão hipnótica com um coro xaroposo de violinos. Mas o sonho acaba quando Hynkel salta para agarrar o balão e ele rebenta nos seus braços. Lá se vai o sonho (um uso irónico de um motivo de sonhos típico de Chaplin e o despertar doloroso).

"Imediatamente a seguir ao bailado sonhado, o pequeno barbeiro faz a barba a um cliente, acompanhado por uma dança húngara de Brahms. Os movimentos dele são rápidos, precisos e perfeitamente sincronizados com as batidas rítmicas da música. O trabalho humano do barbeiro contrasta com os sonhos desumanos por glória do ditador, tal como os movimentos ágeis e a música contrastam com a lentidão etérea do bailado sonhado de Hynkel—percussão e pizzicato em vez de obbligato, a navalha em vez do balão mais leve que o ar."

No Dicionário do Cinema, Jacques Lourcelles escreveu que "a audácia espantosa do filme talvez pareça ainda mais surpreendente trinta ou quarenta anos depois da sua estreia do que foi na época. (Lembremos que o filme, proibido durante toda a guerra, só sai em França em 1945.) Pela altura da reposição francesa de 1958, François Mars escreveu nos «Cahiers du Cinéma», nº87 : "Nunca nenhum filme e nenhum filme burlesco foi activo politicamente a este ponto. Desde "J'accuse" de Zola, raramente, talvez nunca e em qualquer domínio artístico que seja, um homem de boa vontade se tenha levantado com tanta dignidade generosa para oferecer a sua própria pessoa no ecrã ao destino cruel de uma era em marcha. Ao rever O Grande Ditador fui lembrado em clarões das greves de fome irrisórias e sublimes de Gandhi." Enquanto artista, Chaplin acumula aqui os desafios todos. Não só faz uma obra cómica a falar das perseguições raciais, das ditaduras, da ascensão e do triunfo do nazismo como, longe da alegoria e da fábula, mergulha o filme inteiro tanto na actualidade mais imediata como na profecia mais exacta, infelizmente. O futuro mostraria muito rápido que as personagens da História não eram menos grotescas nem menos monstruosas que os fantoches chaplinescos. Argumentista infinitamente habilidoso (cf. a justaposição e o entrelaçamento das cenas do gueto e das cenas  que mostram o emprego do tempo pela parte de Hynkel), Chaplin usa pela primeira vez o som e sobretudo o diálogo com a mesma acuidade satírica que a imagem (cf. o fabuloso discurso de Hynkel feito de palavras inventadas como a canção final dos Tempos Modernos, cf. também a cena em que Hynkel, acabado de dançar com a mulher de Napaloni que tem a flexibilidade de um hipopótamo, a felicita com adjectivos que expressam a sua admiração num decrescendo subtil : "Your dancing, Madam, was superb... excellent... very good... good"). Como encenador (aqui não se pode dizer que ele não saiba mover a sua câmara) e como actor (no duplo papel deslumbrante do carrasco e da vítima), nunca foi mais genial. Numa progressão que vai desde a lembrança dos seus filmes antigos (a denúncia burlesca das atrocidades da guerra em Shoulder Arms) a uma mensagem lançada à humanidade inteira, Chaplin procura tanto descobrir um novo terrítório cómico como tentar intervir, à sua maneira, no rumo dos acontecimentos mundiais. Expressa assim a sua concepção do cinema como arte total, síntese do burlesco, da mímica, da coreografia, da sátira e de uma mensagem moral e política de alcance universal."

Até Terça-Feira!

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