segunda-feira, 14 de setembro de 2020

175ª sessão: dia 17 de Setembro (Quinta-Feira), às 21h30


Fetichismo, melodias, frustrações, paranóias e mulheres... Um homem doente e partido como o Francisco Galván de Montemayor do Ele que vimos no início de Setembro, deseja a morte das mulheres e os seus desejos são concretizados sempre por interposta pessoa. Chama-se Archibaldo de la Cruz e é o herói de Ensaio de Um Crime, a nossa próxima sessão no auditório da Casa dos Crivos.

Luis Buñuel descreveu o seu herói a José de la Colina y Tomás Pérez Turrent, dizendo que "Archibaldo quer matar... Matar talvez o libertasse de um ponto de vista sexual, mas se ele matasse mesmo, quem sabe o que é que faria a seguir. Ele é um assassino. Mas como é óbvio, também gosta da frustração, adora-a. Ele quer matar uma mulher e falha. Tenta matar outra e falha outra vez. Pode-se dizer que queria falhar, só para tentar mais uma vez. Fá-lo para se libertar a si próprio? Talvez o faça pela razão oposta. Eu sei que isto parece sombrio. Eu sinto-me atraído pelo que é sombrio numa personagem. Se se tenta construir uma personagem de forma demasiado racional, ela não ganha vida. Tem de haver uma zona cinzenta."

Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, João Bénard da Costa escreveu que "Ensaio de Um Crime, um dos raros filmes de Buñuel dos anos 50 que teve distribuição comercial em Portugal (embora com mais de dez anos de atraso), ocupa na obra deste um lugar objectivamente singular (do meu ponto de vista, subjectivo também).

"Porque é o último dos seus filmes da primeira fase mexicana, porque é o último dos seus "melodramas" (no mesmo ano começariam as co-produções e Buñuel só faria mais dois filmes exclusivamente produzidos pelo seu país de adopção: Nazarín e Simón del Desierto); porque é uma recapitulação da temática mais forte da sua obra (o crime, o sexo e a mãe) que tinha tido como paradigmas anteriores Os Esquecidos, Susana, Subida al Cielo, O Bruto, El Río y la Muerte e, sobretudo, Ele (com que este filme apresenta bastantes analogias); porque anuncia algumas das mais célebres películas posteriores (Viridiana, Ele Angél, Tristana, Le Charme, Cet Obscur Objet). É, assim, a vários títulos um filme-charneira, sendo, em minha opinião, o filme que mais diz: vai mais longe que os avatares citados, só é desenvolvido nos filmes seguintes."

Em Luis Buñuel - Chimera 1900-1983, Bill Krohn escreve que "Ensaio de Um Crime é uma sequela solarenga para a comédia negra de Ele. A atmosfera é estabelecida pela melodia pronunciada da caixa de música e a sua versão cómica tocada num órgão, com notas amargas e muita reverberação, sempre que Archibaldo cai sob o feitiço do brinquedo fatal. O filme é muito sensual: antes do assassínio planeado de Lavinia, Archie brinca com um manequim que tem a cara dela enquanto ela observa divertida. O facto destas coisas estarem a ser feitas a um boneco, o que as fez passar pelos censores, torna-as duplamente perversas. 

"Archibaldo e Francisco têm muitos pontos em comum, para contrastarem melhor. Archibaldo também é um fetichista. Quando o vemos pela primeira vez aos dez anos, a governanta encontrou-o num armário vestido com a cinta e os sapatos da mãe. A mãe dá-lhe a caixa de música para o consolar das muitas ausências delas, e a bailarina minúscula que gira em cima dela torna-se o novo fetiche dele. Infelizmente, a governanta concede um significado assassino à caixa de música pela história que conta, que é confirmada pela sua morte, e o fetiche transforma-se numa arma mágica para ser usada contra todas as mulheres quando regressa a Archibaldo em adulto. 

"Em termos psico-analíticos, quando o fetiche o impede de entrar em paranóia, também o põe paralisado no momento anterior à resolução final do complexo de Édipo. Daí todos os intrusos, a maior parte homens mais velhos, que aparecem e matam as mulheres em quem pôs a vista em cima. O destino irónico de Archibaldo torna-se fazer o papel de casamenteiro. Até a freira vai ser reunida com Deus depois de escapar à sua navalha."

Até Quinta!

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