quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Nazarín (1959) de Luis Buñuel



por António Cruz Mendes

Nazarín, Grand Prix do Festival de Cannes de 1959, é, disse-o Buñuel nas suas memórias, “um dos meus filmes favoritos”. Trata-se de uma adaptação de uma novela do ciclo espiritualista de Benito Pérez Galdós (1843-1929). No seu filme, Buñuel foi fiel ao nomadismo, ao pacifismo e ao idealismo do Padre Nazário, a personagem criada pelo escritor espanhol, mas altera o final da narrativa conferindo-lhe um caráter mais pessimista: no livro, Nazário consegue superar os seus infortúnios e imagina-se, no final, a pregar a toda a humanidade; no filme, abandonado por todos, caminha, sob a guarda de um soldado e ao som dos tambores, para o lugar onde a justiça dos homens o condenará. 
 
Dos sete aos catorze anos, Buñuel, que se dizia um “ateu pela graça de Deus”, foi educado num colégio jesuíta de Saragoça e essa experiência haveria de o marcar para o resto da sua vida, refletindo-se claramente na sua obra cinematográfica, onde, muitas vezes, descobrimos na forma como vivem a fé cristã, personagens divididas entre uma recusa do autoritarismo e um anseio de espiritualidade, entre a tentação dos prazeres sensuais e o sentimento do pecado. 
 
Quem é o Padre Nazário? A sua figura tem sido, por vezes, comparada à de Jesus, outras, à de D. Quixote. Segundo Buñuel, seria um “Quixote do sacerdócio que, em vez de seguir o exemplo das novelas de cavalaria, segue o dos Evangelhos”. Então, as duas mulheres que o acompanham na sua peregrinação seriam Sancho Pança ou os apóstolos… Nazário é, antes de tudo, um homem generoso e altruísta, que se despoja do pouco que tem para o oferecer àqueles que julga serem mais necessitados. E, como tal, numa sociedade onde todos pensam, antes de tudo, em si mesmos, é tido como um louco ou como um santo. Em todo o caso como um corpo estranho na sociedade a que pertence. Mesmo aos olhos da Igreja, o seu comportamento ofende a “dignidade sacerdotal”. Buñuel transpôs para o México a história de Pérez Galdós e foi acusado de ter inventado um México que não existe. Nunca aí, disse-se, três prostitutas insultariam um sacerdote. Mas, essa história, respondeu Buñuel, poder-se-ia ter passado no México ou em qualquer outra parte do mundo onde um homem assim apareça. 
 
Obrigado a fugir da povoação, descalço, porque ofereceu as suas botas a uma pessoa doente, e mal vestido, porque as suas roupas foram roubadas por alguém que se apresentou como um padre, Nazário inicia uma peregrinação que é uma verdadeira subida ao Calvário. Das suas melhores intenções, resultam consequências nefastas. Cuida uma mulher ferida numa rixa e é acusado de esconder uma assassina, oferece-se para trabalhar em troca de comida e provoca um tiroteio entre o patrão e os outros trabalhadores, procura consolar uma moribunda, mas ela não quer Deus, mas Juan, o seu marido, que o expulsa de sua casa. 
 
Depois de preso, quando parece reviver a experiência do “bom e do mau ladrão”, pergunta ao primeiro: “Gostavas de mudar a tua vida?” e explica-lhe como isso seria fácil. Mas, ele responde-lhe: “E tu, gostarias de mudar a tua?” E acrescenta: “Tu pelo bem e eu pelo mal… Nenhum de nós serve para nada”. 

No final, Aranda, a prostituta acusada de assassínio, foi presa e obrigada a abandonar um amor finalmente encontrado. E a bela e amável Beatriz acabou por se render de novo ao macho que a despreza, mas subjuga. 
 
Quanto a Nazário, prisioneiro e à guarda de um soldado, encontra uma vendedora que lhe oferece um ananás que ele começa por recusar. Mas, depois, arrepende-se, volta atrás e é abraçado ao fruto que prossegue o caminho que o há-de conduzir à prisão ou à morte. Será essa a única recompensa da sua vida?

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