terça-feira, 22 de setembro de 2020

176ª sessão: dia 24 de Setembro (Quinta-Feira), às 21h30


Na última Quinta-Feira de Setembro chegamos ao fim do ciclo dedicado à obra de Luis Buñuel no México, com a exibição dum filme que volta a complicar a relação do espanhol com os Evangelhos e o catolicismo, acompanhando um padre que decide levar a preceito os princípios e os modos de Jesus Cristo. Nazarín é então a nossa próxima sessão no auditório da Casa dos Crivos.

Na sua auto-biografia de 1982, o realizador admitiu-nos que "de todos os filmes que fiz no México, Nazarin é um dos meus favoritos. Apesar dos mal-entendidos sobre o seu verdadeiro tema, foi razoavelmente bem sucedido. No entanto, no Festival de Cannes, onde ganhou o Grand Prix International, quase recebeu também o Prix de l’Office Catholique. Houve três membros do júri a defendê-lo de forma apaixonada, mas, felizmente, estavam em minoria. Além disso, Jacques Prévert, um anticlerical inflexível, lamentou que eu tivesse dado o papel principal a um padre. “É ridículo preocuparmo-nos com os problemas deles,” disse-me ele, acreditando como ele acreditava que todos os padres eram perfeitamente repreensíveis. 

"Este mal-entendido, a que algumas pessoas se referiram como a minha “tentativa de reabilitação pessoal,” continuou durante bastante tempo. Depois da eleição do Papa João XXIII, fui mesmo convidado a Nova Iorque, onde o sucessor abominável de Spellman, o Cardeal Não Sei Quem, me quis dar um prémio pelo filme."

João Bénard da Costa, na sua folha da Cinemateca sobre o filme, escreveu que "Buñuel transpôs o tempo e o espaço histórico da acção do romance célebre de Galdós (Espanha do Século XIX) para o México dos princípios do Século XX e fez de Nazarín um frustrado (no livro, o protagonista triunfa de cada uma das suas provações). O final é também muito diferente: no livro, Nazarín delira e imagina-se a celebrar missa por toda a humanidade; no filme, afasta-se, no celebrado plano em que Buñuel escolheu para a banda sonora os tambores de Calanda da sua infância, com a explícita associação à morte.

"Essa imagem sonora é tão mais poderosa quanto o filme quase não tem música. Nazarín, que começa com a "animação" de uma gravura antiga e com música de órgão, hieratiza-se e silencia-se progressivamente, até se imobilizar no plano final e nos ficar nos ouvidos o ritmo dos tambores. Paralelamente, as imagens iniciais que à primeira vista tendem a poder ser olhadas de modo realista (a vida numa aldeia miserável do México, com os animais pelas ruas, os vendedores, as prostitutas) vão lenta e progressivamente dando sinal de uma representação: os décors são nítidos, a teatralidade muito marcada (prostitutas, as pedradas atiradas ao «cura podrido»), preparando-nos para uma encenação que depressa perde os contornos do melodrama que existiram até ao delírio erótico de Beatriz com as almofadas (mais uma cena dessas, num filme de Buñuel)." 

A páginas tantas de Luis Buñuel - Chimera 1900-1983, Bill Krohn escreve que "quando Buñuel escreveu a Jose Rubia Barcia que tinha 'Buñuelizado' e 'actualizado' a história, não estava a falar de ambiguidade, que também abunda no filme. O que ele fez foi acentuar a parecença de Nazarín com Joe Btfsplk, o homem pequeno com a nuvem de chuva por cima da cabeça na banda-desenhada Li'l Abner, que também é bem intencionado, mas semeia destruição no seu caminho porque é o pior agoirento do mundo. 

"Benito Pérez Galdós já tinha imaginado os episódios em que a bondade de Nazarín inspirava Andara a destruir uma pousada e em que a cura de uma criança doente produzia um episódio de histeria em massa. Buñuel só acrescentou episódios em que o imitatio Christis de Nazarín é sujeito a uma crítica marxista ou surrealista. No primeiro, Nazarín, ao trabalhar por comida, torna-se um fura-greves, provocando uma disputa que termina com um tiroteio fora de plano. No segundo, dá de caras com o amour fou: uma mulher com tifo rejeita os seus conselhos espirituais, gritando pelo seu amante Juan, que ordena a Nazarín que se vá embora e beija a mulher moribunda nos lábios. 'Buñuelizar' significava enfatizar esta oposição entre amor carnal e divino. 

"Ao mesmo tempo Buñuel acrescenta detalhes que sublinham o que ele chama de 'paráfrase dos Evangelhos' na sua fonte, como Andara a dar uma cacetada num soldado que os veio prender. A crise de fé de Nazarín também faz parte do padrão que ele está a cumprir, mesmo quando, como disse Buñuel a Barcia, "é a DÚVIDA e não o Espírito Santo que desce sobre Nazarín no final." No livro Nazarín nunca duvida - até consegue salvar a alma do ladrão que o defendeu - enquanto no filme a conversa deles o faz mergulhar no desespero: "Tu estás no lado do bem e eu estou no lado do mal," diz o ladrão."E nenhum de nós serve para o que quer que seja." O som de castigo dos tambores de Sexta-Feira Santa da Aragão natal de Buñuel nos últimos minutos do filme é um acompanhamento apropriado para o que equivale à crucificação de Nazarín."

Até Quinta-Feira!

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