sexta-feira, 4 de setembro de 2020

El (1953) de Luis Buñuel



por Alexandra Barros

El, um dos filmes de Buñuel de que ele mais gostava, integra vários dos seu temas recorrentes: obsessões, machismo, ciúme, patologias sexuais, o “charme discreto da burguesia” e rituais e papel da Igreja Católica na sociedade. 
 
É numa cerimónia de beija-pé, numa igreja, que Francisco vê Gloria pela primeira vez e por ela se apaixona. É na igreja que a reencontra e passa a perseguir, até conseguir que esta deixe o noivo, Raul, e se case com ele. 
 
Francisco vive numa realidade distorcida, interpretando de forma disparatada, como sinais de infidelidade de Gloria, as situações mais banais e insignificantes. Os ataques de ciúmes são, por vezes, cómicos, pelo absurdo das situações. Outros, são perturbadores, pela grande proximidade com casos reais. As histórias de crimes violentos cometidos contra mulheres por homens ciumentos, tão frequentes nos meios de comunicação social, são apenas a ponta visível de um problema de dimensões muito maiores. A violência psicológica diária (e/ou física), vivida em tantas casas e não denunciada, mesmo quando não mata, destrói quem a ela está sujeita. Jacques Lacan mostrava este filme aos seus alunos, por considerá-lo um excelente tratado sobre paranóia. 
 
Alguns dos ataques de ciúmes de Francisco são tão ou mais angustiantes que as mais pesadas cenas de um filme de terror: a cena da torre dos sinos, onde tenta estrangular Gloria (cena muito semelhante à de um outro filme sobre obsessão, este de Hitchcock - Vertigo); a cena em que Francisco se senta na escadaria de sua casa e, batendo repetidamente e com fúria crescente com uma barra nos respectivos postes, cria um ambiente de ameaça feroz. 
 
O ciúme é considerado por Francisco, e por quem dele sofre, uma consequência de um verdadeiro e intenso amor. É uma loucura perigosa, mas é aceite pelas vítimas e mesmo pelo sistema judicial, com base na ideia que o amor é um sentimento que tudo justifica e que a tudo se impõe. 
 
É na igreja que Francisco, por fim, colapsa mentalmente, após uma série de alucinações em que é ridicularizado, bombardeado por gargalhadas e caretas da parte de quem assiste à cerimónia e mesmo pelo padre e seus assistentes. 
 
Internado num convento, onde aparentemente recupera a sanidade mental, alguns anos depois, ao avistar Gloria, Raul (e o filho de ambos) - que procuram acompanhar o seu estado - Francisco recai na paranóia. Tal como na cena da escadaria, percorrida aos ziguezagues, antes de iniciar a percussão infernal, também os jardins do convento são assim percorridos, espelhando-se neste movimento exterior o persistente estado mental cambaleante de Francisco.

Sem comentários:

Enviar um comentário