segunda-feira, 28 de setembro de 2020

177ª sessão: dia 1 de Outubro (Quinta-Feira), às 21h30


Outubro é mês dos Encontros da Imagem e do habitual ciclo que o cineclube programa por essa ocasião, desta feita centrado no tema de "Génesis". Assim, e como uma espécie de transição, começamos por ir às origens e à estreia como realizador do homem que nos ocupou os meses de Julho e Setembro, Luis Buñuel, com o tratado emotivo, onírico e demencial que deu pelo nome de Um Cão Andaluz. É a nossa próxima sessão no auditório da Casa dos Crivos.

Referindo-se, na sua autobiografia, ao tempo em que começou a experimentar com a montagem e os guiões, Buñuel disse que "uns meses mais tarde, fiz Um Cão Andaluz, que resultou dum encontro entre dois sonhos. Quando cheguei para passar alguns dias na casa de Dalí em Figueras, contei-lhe um sonho que tinha tido em que uma nuvem comprida e aguçada cortava a lua a meio, como uma navalha a cortar um olho. Dalí contou-me imediatamente que tinha visto uma mão coberta de formigas num sonho que tinha tido na noite anterior. 
 
"E se começássemos mesmo por aí e fizéssemos um filme?” perguntou-se ele em voz alta. 

"Apesar da minha hesitação, vimo-nos logo a trabalhar no duro, e em menos de uma semana tínhamos um guião. A nossa única regra era muito simples: Nenhuma ideia ou imagem que se pudesse prestar a uma explicação racional de que tipo fosse seria aceite. Tivemos de abrir todas as portas ao irracional e manter apenas aquelas imagens que nos surpreendessem, sem tentar explicar porquê. A coisa espantosa foi que nunca tivemos o mais pequeno desentendimento; passámos uma semana de identificação total."

Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, João Bénard da Costa apresenta o filme escrevendo que "em 1925, Luis Buñuel, que nasceu com o século e tinha, portanto, tantos anos quantos ele, partiu para Paris. Para trás, ficava a infância de señorito em Saragoça e Calanda, oito anos nos jesuítas e outros oito em Madrid, a saltar de curso em curso e a conviver com a chamada "geração de 27", de que faziam parte, entre outros, Lorca, Alberti, Dalí, Bergamín, seus amigos íntimos e a quem ficou a dever, nas suas próprias palavras, a orientação futura da sua vida. Já escrevera e publicara poemas, já encenara e representara peças (o D. Juan Tenório de Zorrilla, com Lorca), mas o cinema era apenas um passatempo. «Nessa época» - diz no seu fabuloso livro de memórias Mon Dernier Soupir - «nunca me passou pela cabeça que um dia viria a ser cineasta».

"Foi em Paris que isso lhe começou a passar pela cabeça, quando viu Der Müde Tod de Fritz Lang (pelos vistos, dos filmes que mais vocações de cineastas terá despertado) e quando essa revelação o tornou apóstolo. De 26 a 28, escreveu regularmente sobre cinema para revistas espanholas e francesas e foi assistente de realização de Jean Epstein (Mauprat, La Chute de la Maison Usher) e de Henri Étiévant (La Sirène des Tropiques). Conhecido o "meio", relacionando-se bem, a partir de 27-28, só tem uma ideia: ser cineasta.

"Paris é também o lugar do seu encontro com o grupo surrealista e o tempo da sua adesão expressa ao movimento. Alguns projectos falhados e, finalmente, Um Cão Andaluz."

Já Miguel Marías, em texto publicado na revista Nuestro Cine, escreve que "este filme, aparentemente, é tão absurdo como irreal. O seu onirismo é indubitável e o seu carácter «fantástico» não pode ser rejeitado. Mas se pensamos na definição que André Bretón dá de «surrealidade» no primeiro «Manifeste du surréalisme» (1924), «fusão do sonho e da realidade numa realidade absoluta», veremos que Buñuel não pretendia fazer um filme «irreal», mas estava a tentar chegar ao real por um caminho mais profundo que o chamado «realista». Outra citação de Bretón vai servir para situar o aspecto fantástico deste filme na sua verdadeira dimensão: «o que há de admirável no fantástico é que já não há nada de fantástico: não existe mais nada a não ser o real». 

"Um Cão Andaluz não narra uma história. Os intertítulos destroçam a cronologia, porque as indicações temporais sucedem-se nesta ordem: «Era uma vez…», «Oito anos depois», «Por volta das três da madrugada», «Dezasseis anos antes», «Na primavera», sem que as imagens nos permitam re-estabelecer uma ordem nos acontecimentos disjuntos —mas formal e significativamente relacionados— que o filme nos mostra. Esta destruição do sentido do tempo real é a base de muitos dos filmes mais avançados dos últimos anos, de forma tão manifesta que torna desnecessário citar títulos.

Até Quinta!

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