domingo, 25 de julho de 2021

200ª sessão: dia 27 de Julho (Terça-Feira), às 19h00


Na última Terça-Feira de Julho concluímos o nosso ciclo mensal dedicado aos encontros entre Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira no cinema, atingindo ainda a marca da ducentésima sessão. Portanto, resolvemos oferecer a entrada a quem quiser vir e convidámos a pianista bracarense Sofia Sarmento, que participou em Espelho Mágico, a estar presente na nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.

Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, João Bénard da Costa escreve que "como muitos saberão, Espelho Mágico adapta livremente (ou inspira-se livremente) no romance de Agustina Bessa-Luís A Alma dos Ricos. Este [publicado em 2002], é o segundo volume da trilogia intitulada "O Princípio da Incerteza", de que foi primeiro tomo Jóia de Família [2001] e terceiro e último Os Espaços em Branco [2003]. 

"Em 2002, Oliveira adaptou ao cinema Jóia de Família, mas, em vez de manter o título, chamou ao filme O Princípio da Incerteza, ou seja escolheu para a parte o nome do todo. Nunca me convenceram muito as razões avançadas por Oliveira para sacrificar a Jóia de FamíliaFamily Jewels ("Jerry e os Seis Tios", 1965) é o título de um célebre filme de Jerry Lewis, em que ninguém viu malícias – mas também isso agora pouco importa. Porém será de destacar que, adaptando pela quarta vez um romance de Agustina, [depois de Fanny Owen/Francisca (1981), Vale Abraão (1993) e As Terras do Risco/O Convento (1995)] Oliveira culminou a sua progressiva distanciação face aos enredos de Agustina, buscando na obra dela mais pretextos do que textos, guardando, contudo, em quase todos os diálogos, a ímpar riqueza do verbo agustiniano. Espectadores mais bem informados podem dizer-me que omito três outras colaborações fundamentais de Oliveira com Agustina: Visita ou Memórias e Confissões (1982), Party (1996) e o episódio A Mãe de um Rio que integra Inquietude (1998). 

"Enganam-se: em Visita e Party foram diálogos escritos por Agustina para filmes de Oliveira sem nunca terem sido romances dela. A Mãe de um Rio é um conto e Oliveira adaptou-o, combinando-o com dois outros textos literários de índole muito diversa. 

"Bem explicado (ou mal explicado, já que a saga da intercomunicação Agustina/Oliveira nem daqui a mil anos será bem contada) chega-se pois a Espelho Mágico, título sem qualquer correspondência com o título agustiniano e ainda mais distante de A Alma dos Ricos do que O Princípio da Incerteza esteve de Jóia de Família."

Em entrevista à revista Letras de Cine, e estendendo-se sobre as diferenças entre filme e livro, Agustina Bessa-Luís disse que "(...) a narração do romance complica-se, porque a empregada dela, como vê que a protagonista está a ficar maluca e vai a caminho o manicómio, quer organizar uma aparição concreta e procurar uma rapariga na região que pudesse passar por Nossa Senhora… Para a semana que vem, no 5 de Junho, vai haver um colóquio em Lisboa com o arcebispo prelado e outros a propósito de religião para discutir o problema, e então eu decidi ir com a minha história da “Nossa Senhora Rica”. Vou levar provas, que não são concreções, mas sim lógica pura: se me ponho na pele de mãe de Jesus – que é um atrevimento e uma coisa hipotética –, quando matam o meu filho de forma tão terrível e tão humilhante, ponho toda a minha fortuna à disposição para propagar a sua Palavra. Senão como é que teria sido possível enviar por todo o Mediterrâneo os apóstolos todos sem existir um mecenas. Quando Maria morreu voltaram todos os apóstolos de todas as partes do mundo para o seu enterro, todos eles a tomavam como uma espécie de mãe da religião. Uma senhora leitora do romance disse-me que tinha lido num Apócrifo qualquer que havia romanos a proteger Jesus, isto não é de ricos?

"E neste momento estou em vias de discutir com Manoel de Oliveira o futuro desta história em cinema porque quer realmente fazê-la. Ele diz que é um tema muito delicado, que não é possível, e quer mudar isto tudo, pretende praticamente tirar a Virgem da historia e fazer algo que não tem nada a ver. E eu acho que tudo se deve ao facto de ter um mentor que é um padre. O Manoel está sempre com ele e deixa-se aconselhar. Não há dúvida que é um guião muito complicado, mas eu quero falar muito a sério com Manoel de Oliveira. Ele persegue-me pelo bairro, e quer-se explicar, también liga para casa e fala mais disso com a minha filha do que comigo. Mas eu digo-lhe: falo contigo sozinho se o padre estiver presente. Eu rio-me, mas enquanto que a história parece muito engraçada, também é muito dramática. E aqui têm a minha última ligação com Manoel de Oliveira, que irá certamente para a frente apesar dos atritos. Acho que ele está muito descontente com o assunto. Por sinal, o romance chama-se A Alma dos Ricos e o Manoel já me começa a contradizer começando com o título, quer chamar-lhe O Espelho Mágico, que não tem nada a ver, que coisa mais pirosa, nem se fosse a Alice no País das Maravilhas, e ainda por cima no guião a senhora acaba por cair em estado de coma, não sei se o Manoel se terá lembrado do Fala com Ela… Além disso escreveu pela primeira vez o guião inteiro sem colaborar com ninguém, o que para ele – que quer controlar tudo - é algo muito importante. Eu teria gostado de ajudar mas ele não aceita conselhos. Em Portugal houve uma controvérsia, um jovem jornalista de um jornal declarou que é o melhor amigo de Oliveira, um professor da Universidade, quem lhe escreve os guiões e o Manoel ficou desesperado, e foi tudo interpretado como se fosse o próprio amigo a afirmá-lo, quando foi o jornalista que o escreveu."

Dando a sua perspectiva sobre o assunto numa pequena entrevista em vídeo de 2005, ano da estreia do filme, Manoel de Oliveira declara que "o Espelho baseia-se, ou é inspirado, no romance da Agustina Bessa-Luís que se chama A Alma dos Ricos, e eu mudei para Espelho Mágico. Ela não ficou satisfeita e disse, «ó Manoel, eu não quero lá o meu nome nesse filme. Não quero.» «Está descansada, não se faz o filme.» E depois, mais tarde - eu não expliquei mais nada, não valia a pena - e mais tarde ela disse - veio cá e tal - «ó Manoel, você realmente se quiser fazer A Alma dos Ricos, pode fazer, mas só com uma condição: põe "inspirado na Alma dos Ricos".» E eu disse, «melhor, para mim muito melhor. "Inspirado na Alma dos Ricos".» Simplesmente, o filme principiava logo por fazer uma evocação daquelas meninas da escola em Vila do Conde, e como a minha deontologia cinematográfica de hoje não pode filmar o que se passa hoje a ver o que se passou ontem, era o contrário ao meu critério cinematográfico desta altura, porque antes tinha pensado doutra forma. E foi por isso que eu mudei para Espelho Mágico, não foi por outra razão, porque assim havia a magia do espelho que só representava o que ela tinha passado, imaginado antes. É por isso que ficou com Espelho Mágico, continuando a ser A Alma dos Ricos. Porque "a alma dos ricos" quer mais aparecer ao lado de Nossa Senhora do que a Nossa Senhora apareça ao seu lado. É assim o que eu julgo que a Agustina quer dizer com "a alma dos ricos", lá no filme."

Até Terça!

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