sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Água (2010) de Eva Ângelo



por Alexandra Barros

Água é um documentário sobre a montagem do espectáculo coreográfico e musical Vale, de Madalena Victorino, com música de Carlos Bica. O projecto Vale foi inspirado pela região do Vale do Tejo e envolveu catorze intérpretes, vindos da dança, do teatro e da música, e quarenta pessoas de comunidades locais, com diversas idades e modos de vida. 

Além de acompanhar os ensaios dentro de portas, Eva Ângelo filmou os encontros dos artistas com trabalhadores de - e em - diversos espaços emblemáticos do Vale: uma coudelaria, campos de pastagem de gado, uma praça de touros, um olival, ... A coreografia do bailado alimenta-se destes encontros: das conversas, dos ensinamentos recebidos de mestres locais, das observações, dos gestos apre(e)ndidos participando nas actividades que nesses lugares decorrem. 
 
Durante os ensaios, Eva Ângelo captou as orientações e as interpretações, os movimentos e as expressões, as dificuldades e as sintonias, os risos e as tensões, as brincadeiras e as irritações, as cumplicidades. Tudo isso nos entrega e dá a ver, ora de forma demorada e com pinceladas precisas ora de forma fugidia, subtil, evitando o voyeurismo, o drama e a afectação. 
 
Madalena Victorino, trajada com vestidos estampados com fabulosas cores e padrões, voz doce e tom sereno, exerce uma liderança forte e assertiva. Dirige os trabalhos, dando indicações aos bailarinos como: “avançam como senhoras, não como pata chocas”; “respiramos para dentro do fundo da Terra”; “não sorri, os cavalos não sorriem”. Ela faz da dança um ponto de encontro entre movimento e emoção, e é esse entrelaçamento que Eva Ângelo tão bem traz para o filme. Visualmente o filme é lindíssimo, mas encantador é o lugar comum da criação e esforço conjunto, do entusiasmo, empenho e gozo no trabalho de grupo. 

Madalena explica aos participantes que ”este trabalho é um trabalho sobre estarmos uns com os outros, mas é também um trabalho sobre estarmos connosco”. A dança é, possivelmente, sempre um trabalho sobre estarmos connosco, pois “ensina-nos a aceitar os nossos erros, porque fazemos tantos que a única possibilidade de progresso é a aceitação”[1]. 

O espectáculo fecha com imagens de uma mó a rodar, uma metáfora do círculo, símbolo de movimento, expansão, tempo, perfeição, eternidade. Mas neste círculo há um buraco no meio, em representação “do abismo, do desconhecido, do futuro”[2]. Sabe-se hoje que muitas galáxias têm um buraco negro no seu centro, como se a luz só pudesse existir acompanhada dessa escuridão que tudo tenta devorar. Matéria e antimatéria, cargas positivas e negativas, atração e repulsão. As dualidades estão entretecidas no mundo microscópico, em nós, no espaço cósmico. Serão essas forças opostas, afinal, os mais prevalecentes LUGARES COMUNS?

[1] Ian Crewe, professor de dança.
[2] Madalena Victorino.



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