por Alexandra Barros
Água é um documentário sobre
a montagem do espectáculo coreográfico e musical Vale, de Madalena Victorino, com música de
Carlos Bica. O projecto Vale foi
inspirado pela região do Vale do
Tejo e envolveu catorze intérpretes, vindos da dança, do teatro e
da música, e quarenta pessoas de
comunidades locais, com diversas
idades e modos de vida.
Além de acompanhar os ensaios
dentro de portas, Eva Ângelo filmou os encontros dos artistas
com trabalhadores de - e em - diversos espaços emblemáticos do
Vale: uma coudelaria, campos de
pastagem de gado, uma praça de
touros, um olival, ... A coreografia do bailado alimenta-se destes
encontros: das conversas, dos
ensinamentos recebidos de mestres locais, das observações, dos
gestos apre(e)ndidos participando
nas actividades que nesses lugares decorrem.
Durante os ensaios, Eva Ângelo
captou as orientações e as interpretações, os movimentos e as
expressões, as dificuldades e as
sintonias, os risos e as tensões, as
brincadeiras e as irritações, as cumplicidades. Tudo isso nos entrega
e dá a ver, ora de forma demorada e com pinceladas precisas ora
de forma fugidia, subtil, evitando
o voyeurismo, o drama e a afectação.
Madalena Victorino, trajada com
vestidos estampados com fabulosas cores e padrões, voz doce e
tom sereno, exerce uma liderança forte e assertiva. Dirige os
trabalhos, dando indicações aos
bailarinos como: “avançam como
senhoras, não como pata chocas”;
“respiramos para dentro do fundo
da Terra”; “não sorri, os cavalos
não sorriem”. Ela faz da dança um
ponto de encontro entre movimento e emoção, e é esse entrelaçamento que Eva Ângelo tão
bem traz para o filme. Visualmente
o filme é lindíssimo, mas encantador é o lugar comum da criação e
esforço conjunto, do entusiasmo,
empenho e gozo no trabalho de
grupo.
Madalena explica aos participantes
que ”este trabalho é um trabalho
sobre estarmos uns com os outros,
mas é também um trabalho sobre
estarmos connosco”. A dança é,
possivelmente, sempre um trabalho sobre estarmos connosco,
pois “ensina-nos a aceitar os nossos erros, porque fazemos tantos que
a única possibilidade de progresso
é a aceitação”[1].
O espectáculo fecha com imagens
de uma mó a rodar, uma metáfora
do círculo, símbolo de movimento, expansão, tempo, perfeição,
eternidade. Mas neste círculo há
um buraco no meio, em representação “do abismo, do desconhecido, do futuro”[2]. Sabe-se hoje que
muitas galáxias têm um buraco
negro no seu centro, como se a
luz só pudesse existir acompanhada dessa escuridão que tudo tenta devorar. Matéria e antimatéria,
cargas positivas e negativas, atração e repulsão. As dualidades
estão entretecidas no mundo microscópico, em nós, no espaço
cósmico. Serão essas forças opostas, afinal, os mais prevalecentes
LUGARES COMUNS?
[1] Ian Crewe, professor de dança.
[2] Madalena Victorino.
Sem comentários:
Enviar um comentário