quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Vieirarpad (2021) de João Mário Grilo



por João Mário Grilo

A “coisa” deste Vieirarpad já se vislumbrava, em boa verdade, em Ma Femme Chamada Bicho, belíssimo filme que José Álvaro de Morais realizou entre 1976 e 1978. Filmado em vida do par Maria Helena Vieira da Silva / Arpad Szenes, é um filme que faz parte, ainda e plenamente, do dispositivo pelo qual o casal construiu a sua vida e o seu amor, enquanto componentes essenciais da sua própria obra, abrindo-a a um campo performativo que, dada a disparidade dos materiais, só o cinema e a montagem poderiam verdadeiramente resgatar. 
 
Ora, é neste contexto “performativo” que a publicação da correspondência entre os dois – trocada nos breves períodos em que foram forçados a viver longe um do outro -, bem como a iconografia do casal, que se deixou abundantemente fotografar ao longo de toda a vida - até numa fotonovela! –, para além, evidentemente, dos muitos desenhos e pinturas “biográficas” que, entre ambos, produziram, vem dar luz a essa cena amorosa enquanto verdadeiro ponto de encontro e fusão entre as obras de ambos, numa mise en scène recíproca e interminável. 

Assim, para o projecto inicial de Vieirarpad, estes materiais sobreviveram ao tempo para desempenhar uma missão: a de tornar visível a particularidade de uma vida em comum totalmente significativa e que se procurou que tomasse no filme a forma de um último legado do casal. 
 
Uma última obra, mas que é, ao mesmo tempo, a mais inicial e a mais radical de todas as obras: a construção de uma (duas vidas), na forma de uma obra de arte. Para mim, tudo estava ali, portanto, à espera de ser filmado e montado! E o cinema, arte dos fantasmas, por excelência, foi para mim, ao mesmo tempo, a linguagem e a esperança para esta derradeira revelação humana e artística. Procurando perpetuar esta tão feliz frugalidade em algo realmente exemplar. 

nota de realização do dossier de imprensa do filme.



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