quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Garasu no Jonî: Yajû no yô ni miete (1962) de Koreyoshi Kurahara



por António Cruz Mendes

Todos conhecemos Mizoguchi, Ozu ou Kurosawa, Alguns dos seus filmes foram já aqui exibidos pelo Lucky Star - Cineclube de Braga. Mas, evidentemente, o cinema japonês não se reduz aos filmes desses autores e a The Stone & The Plot decidiu que essa lacuna no nosso conhecimento devia ser preenchida, distribuindo dois ciclos de filmes de “mestres japoneses desconhecidos”. Cinco dos filmes desses dois ciclos vão ser exibidos por nós. 

O filme de hoje tem sido comparado a La Strada, de Fellini. Podemos, de facto ver em Mifune algo de Gelsomina, também ela vendida a um brutamontes que a maltrata. Ambas, Mifune e Gelsomina, são personagens cândidas, ingénuas, perdidas num mundo brutal onde o poder do dinheiro impera. Aparentemente, os dois filmes parecem inserir-se na tradição neo-realista. A opção pelo preto e branco no filme de Kurahara, o protagonismo de pessoas pobres, o realce dado à relação entre as suas atribulações e as condições sociais da sua existência, apontam nesse sentido. Mas, o registo sentimental de Johnny coração de vidro, afasta-o dos cânones do neo-realismo italiano. Aliás, de resto, também La Strada, foi criticada pelo seu tom melodramático. 
 
No filme que hoje exibimos, Mifune, frágil e ingénua, reparte o protagonismo com Akinoto e “Joe”, dominados pelas suas poderosas obsessões, as corridas de bicicletas e um amor traído. As relações entre estes três desvalidos da sorte, são, simultaneamente, de atracção e repúdio. Primeiro, Mifune persegue, literalmente, “Joe”, procurando a protecção e o amor de que carece. E acaba por ser vendida por ele à dona de um prostíbulo. Depois, tenta conquistar Akinoto, o perseguidor, que a tinha comprado aos pais, com a mesma finalidade, e de quem fugia. Nos dois, procura o seu “Johnny coração de vidro”, a figura fantasmática e redentora que lhe foi apresentada por um poeta suicida, e que povoa os seus sonhos. Os dois acabam por reconhecer nela uma inocência perdida, a promessa de uma vida fundada sobre o amor. 

O filme conta-nos uma história de traições, de pecado e de redenção, aqui simbolizada pela água. A água que cai sobre o corpo de "Joe", deitado à chuva numa varanda, finalmente livre da sua obsessão; a água do mar onde, por fim, Mifune vai procurar o seu amor.



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