sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Perceval le gallois (1978) de Éric Rohmer



por João Palhares

Chrétien de Troyes, cujo livro «Perceval ou le Conte du Graal» é a inspiração para este filme de Éric Rohmer, é considerado o pai da literatura arturiana e dos cavaleiros da Távola Redonda. E a lenda do Rei Artur sempre interessou o cinema directa ou indirectamente, para o provar basta mencionar alguns títulos como Parsifal de Edwin S. Porter, de 1904, Prince Valiant de Henry Hathaway, de 1954, The Sword in the Stone de Wolfgang Reitherman, de 1963, Camelot de Joshua Logan, de 1967, Lancelot du Lac de Robert Bresson, de 1974, Excalibur de John Boorman, de 1981, ou Parsifal de Hans-Jürgen Syberberg, de 1984. O próprio Rohmer, num documentário feito para a televisão em 1965, abordou a temática, a personagem de Perceval e a obra de Chrétien de Troyes antes de realizar o Perceval, o Galês que hoje vamos ver. 

Sem ver a Idade Média como um circo de variedades e pirotecnia da ordem dos King Arthur ou King Arthur: The Legend of the Sword desta vida, o cineasta francês compõe o filme em cenários pintados e versos cantados ao longo das excursões dos cavaleiros Perceval e Sir Gawain. Há um coro a pontuar todas as aventuras, às vezes intromete-se na narrativa e às vezes são as próprias personagens a servir de coro a si próprias e a personagens com quem falam. Sem aceitar isto, não vale a pena ver o filme, que é uma transposição virtuosa dos escritos fundadores de Troyes, Thomas Mallory ou Geoffrey Saucer. Aceitando, pode-se apreciar a candura e a violência desses relatos, a realidade possível dentro de um mundo sonhado. O cinema. 

Num acumular de pequenos absurdos, como um rapaz destinado a ser cavaleiro não saber o que é um cavaleiro porque a mãe assim o quis para o desviar dessas aventuras mas sem sucesso, cavalos e cavaleiros a entrar dentro de castelos sem proporcionalidade aparente, tinta vermelha a servir de sangue e de vinho, duelos e combates que as narrações nos dizem durarem horas serem mostrados em poucos segundos, cantoria e poesia por todo o lado, um rapaz que não parece ser capaz de levantar um escudo conseguir derrubar cavaleiros que aterrorizaram exércitos, homens sinistros no aspecto mostrarem ser os mais justos do mundo. Depois de tudo isto, encenado no maior dos classicismos, uma encenação elaboradíssima da Paixão de Cristo, intercalada com um coro que descreve os acontecimentos enquanto os vemos a acontecer, a uma velocidade demencial e com grande violência. Coisas que nos fazem lembrar que Rohmer deu uma entrevista aos Cahiers du Cinéma a que se deu o nome de “O Antigo e o Novo”, e é também o realizador de Louis Lumière, ou A Inglesa e o Duque, variações documentais e ficcionais sobre a modernidade ancoradas no mais antigo e nas fundações do cinema, sempre. Ou então, e como não se fartava de gritar um amigo uma noite, há muito tempo, “os católicos são os mais fodidos.”



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