por João Palhares
Como já referido em folha de sala anterior (Sessão nº 264: Johnny Coração de Vidro), há “mestres japoneses desconhecidos” a descobrir para além dos mais famosos Kenji Mizoguchi, Yasujirõ Ozu, Akira Kurosawa ou Mikio Naruse. Estão disponíveis no nosso mercado e no nosso mapa de estreias graças à The Stone and the Plot, distribuidora fundada por Daniel Pereira em 2017, e à curadoria de Miguel Patrício, grande entusiasta de cinema japonês - ao qual tem dedicado alguns artigos e palestras. Assim, em 2021 estrearam-se em Portugal O Menino da Ama de Tomotaka Tasaka (exibido por nós há duas semanas), Cada um na sua Cova de Tomu Uchida e o Mulheres de Ginza que nos ocupa esta semana. Este ano e este mês, estreou-se o segundo ciclo, composto por Johnny Coração de Vidro de Koreyoshi Kurahara, A Vida de uma Mulher de Yasuzô Masumura e A Mulher Que Eu Abandonei de Kirio Urayama, e que é exibido integralmente pelo cineclube este mês. Para o ano de 2023, espera-se uma retrospectiva integral da obra como realizadora de Kinuyo Tanaka, uma das mais célebres actrizes japonesas, que esperamos poder também exibir. Muitos parabéns, portanto, à The Stone and the Plot.
O realizador de Mulheres de Ginza é Kôzaburô Yoshimura. Nasceu em Ôtsu, na prefeitura de Shiga, a 9 de Setembro de 1911 e arranjou trabalho no estúdio Shõchiku em 1929. Apesar de se estrear como realizador cinco anos depois, em 1934, continuou a trabalhar como assistente de realização de cineastas como Yasujirõ Ozu ou Yasujirõ Shimazu. A partir de Anjō-ke no butōkai, com Setsuko Hara, inicia uma colaboração de vários filmes com o argumentista e realizador Kaneto Shindo, que é também autor do argumento de Mulheres de Ginza. Em 1957, realiza Osaka monogatari, projecto planeado e iniciado por Kenji Mizoguchi mas terminado por si. E foi a Mizoguchi que Yoshimura foi mais comparado, certamente por situar a sua obra em casas de gueixas e fazer das mulheres o centro dos seus filmes.
Ginza é um bairro em Tóquio, onde vivem as classes mais abastadas. É uma escolha óbvia para abrir e manter uma casa de gueixas e é aí que vivem e trabalham Ikuyo e as suas gueixas. Ludibriadas e traídas por homens, recusam-se a dar por vencidas e vão sorrindo e vão fazendo pela vida como podem. Yoshimura toma a perspectiva delas e isso resulta num tom leve e irónico que talvez impressione ou choque mas é perfeitamente justificado. Os homens são todos caricaturas, desde o pai que só pensa no leite ao escritor que só pensa em si próprio, passando pelo irmão que credita a si e aos seus contactos todos os clientes da irmã e pelo detective que lê as “tragédias de X” e as “tragédias de Y” sem se aperceber que há bastantes tragédias a ocorrer sob a sua jurisdição, e as mulheres parecem os únicos seres lúcidos e práticos. Inocentemente, elas iniciam uma revolução, e tentam mudar de vida. Incendeiam o sistema. Talvez o tom leve fosse a única forma de fazer passar uma mensagem tão perigosa como essa, nos anos cinquenta no Japão, mas a verdade é que ainda há conformismo e cobardia nos tempos que correm, e as coisas não devem ter mudado assim tanto. Riamos ou choremos, todos estes anos passados.
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