quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Onna no isshô (1962) de Yasuzô Masumura



por Alexandra Barros

A Vida de uma Mulher é a vida de Kei, uma jovem orfã que vive em casa de uns tios pobres que a maltratam e sobrecarregam de trabalho. Por representar um encargo financeiro, ela acaba por ser expulsa de casa. O que poderia ser uma libertação será a entrada para uma nova prisão. Numa imagem premonitória, filmada a partir do interior gradeado da casa dos tios, Kei, de frente para a câmera, parece enjaulada por essas grades que a separam do lar, apesar de se encontrar do lado de fora das mesmas. Ao longo do filme, veremos, uma e outra vez, imagens em que é vista através de gradeamentos ou em cantos onde aparenta estar enclausurada. 
 
A prisão de onde nunca conseguirá sair é o compromisso feito com a matriarca da família que a acolheu, quando vagueava sem destino, após ter ficado desalojada. As mais belas imagens do filme, situam-se nessa deambulação nocturna. O Desfile das Lanternas - um rio de luz que corre no sentido inverso ao de Kei até se transfigurar em longínquas bolas de luz flutuantes - e a sombra negra de Kei, secundada pela sua silhueta, recortada contra o casario, são memoráveis. 
 
Amada pelos dois filhos da matriarca, casa com Shintarô, para honrar o seu compromisso, apesar de ser Eiji quem ama. É também para honrar esse compromisso, que sacrifica a sua natural gentileza e humanidade, não olhando a meios para garantir a prosperidade de Tsutsumi, a empresa familiar pela qual se tornou responsável. Ao fazer desse empreendimento a sua prioridade, não consegue atender às necessidades pessoais dos diversos membros da família, os quais outrora muito acarinhou. Os mais gravemente afectados são o marido e a filha, para quem nunca tem tempo ou disponibilidade, e que muito sofrem devido à consequente falta de afecto. Por causa da promessa que fez à sua falecida “mãe”, não cumpre as promessas com que tenta apaziguar a sua sempre negligenciada (e revoltada) filha. 
 
Kei mantém a ilusão do controlo, mas o seu destino é determinado pelos conflitos no interior da família e pelas guerras em que o Japão se vai envolvendo. O contexto histórico dos diversos períodos da saga familiar, da era Meiji ao pós 2ª Guerra Mundial, é dado pelos cabeçalhos dos jornais de época, através dos quais vamos saltando no tempo. Uma guerra trouxe fortuna à família Tsutsumi, uma guerra a derruba. É só quando Kei perde tudo, a empresa e a família, que a vida finalmente lhe parece sorrir, com o regresso de Eiji a casa. Mas o final redentor é boicotado pela própria Kei, ao tomar uma decisão que a mantém refém do que resta da casa e da família pela qual se sacrificou, prefigurando uma espécie de caso de Síndrome de Estocolmo. No final do filme, Kei surge encurralada entre um duplo arco: o arco do portão dos Tsutsumi, pelo qual entrou furtivamente na noite em que os tios a expulsaram, e um arco de luz projectado nas ruínas do casarão onde, nessa noite, foi acolhida.



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