quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Watashi ga suteta onna (1969) de Kirio Urayama



por Alexandra Barros

A Mulher que Eu Abandonei abre com uma máscara Noh, mas passa-se num Japão ocidentalizado, no final da década de 60. É uma história de sufocos sentimentais, centrada em Yoshioka, um estudante universitário. Tem como pano de fundo as convulsões sociais da altura, incluindo movimentos estudantis de protesto e revoltas no mundo laboral. 

Embora Yoshioka tenha uma relação intensa com Mitsu - uma rapariga carinhosa e devotada - abandona-a devido às suas ambições de ascensão social. Mitsu é substituída por Mariko, a sobrinha do presidente da fábrica onde Yoshioka trabalha. Apesar de Mariko estar apaixonada por Yoshioka, ele não consegue viver com ela um amour fou como o que viveu com Mitsu. Yoshioka e Mariko têm um namoro “formal”, com forte presença e compromissos com o clã familiar de Mariko. Ela desempenha o seu papel de acordo com as convenções sociais, menorizando a paixão. A máscara Noh, que veremos por diversas vezes ao longo do filme, reforça essa ideia de representação que é a vida em sociedade. “Todos têm as suas próprias circunstâncias.” diz Mariko, quando Yoshioka se mostra desiludido por ela privilegiar os desejos da família relativamente aos desejos dele. 

Sem o amor devotado e incondicional de Mitsu, Yoshioka murcha. Embora aparentemente tenha ficado indiferente ao fim da relação, ficou, de facto, desamparado. Apesar dos esforços de Mariko para reforçar a união sentimental entre os dois, a solidão interior de Yoshioka contamina o casamento. O desapego de Yoshioka condena Mariko, por sua vez, à solidão. 

Quando Yoshioka reencontra Mitsu, torna-se impossível manterem os sentimentos enclausurados e caem numa teia preparada para capturar Yoshioka. Mitsu enfrenta a “aranha” para salvá-lo e este acaba por perdê-la para sempre. Confrontada com a devastação de Yoshioka, Mariko compreende finalmente porque é que nunca se sentiu amada e, desesperada, quer perceber “Quem é Mitsu?”. “Mitsu sou eu! E tu também és Mitsu!”, é a resposta de Yoshioka, que, por fim, vê com clareza o triângulo de sofrimento que criou em nome do “sucesso”. Caídas as máscaras, a paleta cromática do filme passa do preto e branco para a cor.



Sem comentários:

Enviar um comentário