sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Le plaisir (1952) de Max Ophüls



por João Palhares

Quando, em 2016, se abordou o grande crítico norte-americano Tag Gallagher para uma pequena apresentação em vídeo sobre Samuel Fuller, que acabou por ser exibido apenas em Janeiro do ano seguinte com White Dog no ciclo dos anos oitenta dentro do grande ciclo dedicado ao cinema americano, reparou-se que ele se despedia sempre com um enigmático “max”, seguido do seu primeiro nome. Quando lhe perguntámos o que é que isso queria dizer, ele respondeu-nos que “as pessoas normalmente despedem-se com "all the best," ou apenas "best," que é mais ou menos o mesmo que "max," que mais ninguém diz a não ser eu, que o comecei a fazer em 2002 em honra de Max Ophüls, cujo centenário se celebrou em 2002.” 
 
Max Ophüls é um cineasta franco-alemão que começou por trabalhar na Alemanha, onde nasceu Maximillian Oppenheimer, e depois em França, com uma pequena passagem pelos Estados Unidos nos anos quarenta. Além deste O Prazer, é autor de filmes como Carta de Uma Desconhecida, com Joan Fontaine e Louis Jordan, Caught e The Reckless Moment, ambos com James Mason, La Ronde, com Simone Signoret e Simone Simon, e Madame De…, com Charles Boyer, Danielle Darrieux e Vittorio De Sica, já exibido por nós no ciclo que dedicámos aos amores cinéfilos de João Bénard da Costa em 2019, ainda na Casa do Professor. 
 
James Mason, que trabalhou com o cineasta em dois filmes, escreveu um poema sobre ele em que descreve o seu amor por grandes e sofisticados movimentos de câmara, dizendo que “I think I know the reason why / Producers tend to make him cry. / Inevitably they demand / Some stationary set-ups, and / A shot that does not call for tracks / Is agony for poor dear Max, / Who, separated from his dolly, / Is wrapped in deepest melancholy. / Once, when they took away his crane, / I thought he’d never smile again…”[1] Também Stanley Kubrick e Paul Thomas Anderson não se fartaram de elogiar os movimentos de câmara do franco-alemão, tentando a sua sorte em homenageá-lo com as suas câmaras nos seus próprios filmes. 
 
Em O Prazer, vemos a câmara de Ophüls no seu máximo esplendor, sem interferência de qualquer produtor, a descrever as cambiantes da paixão e do amor. Três episódios: o primeiro uma espécie de prelúdio in finis res em que um casal idoso luta contra os seus próprios impulsos em lamentação da sua juventude perdida, com a câmara a seguir o homem nas suas deambulações nocturnas por clubes de dança. De máscara, até ao paroxismo, depois um sem fim de idas e vindas dos bastidores para a pista de dança e da pista de dança para os bastidores para tratar o velho que não quer acreditar que é velho; o segundo, o corpo essencial da estória, descreve a viagem de uma madame e das suas prostitutas a uma primeira comunhão no campo, onde se comovem imenso e fazem também outros comover-se, em tom solar e alegre, como anuncia o narrador-Maupassant a negro, antes do sol nascer. A casa Tellier apresentada em plano-sequência do exterior: movimentos rotineiros observados com pudor ou voyeurismo. No final, a festa com o regresso das mulheres, até ao torpor dos sentidos; o terceiro uma elegia conclusiva, a felicidade e a alegria, o efémero e o eterno, com o narrador presente no quadro. Corpos que dançam, corpos que caem, corpos que se aproximam e repelem até à lição derradeira, aprendida a sangue e lágrimas. 
 
O narrador arrepende-se de o amigo se ter afastado dele na sequência dos acontecimentos trágicos que marcaram o seu grande amor. “Errou, ele,” diz o escritor a outro amigo. “Encontrou o amor, glória e fortuna. A felicidade não é isso?” 
 
“Mesmo assim, tens de admitir que isto é tudo muito triste,” diz o amigo. 
 
“Mas, meu caro, a felicidade não é alegre,” conclui o narrador. 
 
Max, meus amigos. 
 
Max.

[1] Tradução possível, mas sem as belas rimas do original: “Penso saber a razão / porque os produtores tendem a fazê-lo chorar. / Inevitavelmente exigem / montagens de planos fixos, e / um plano sem trilhos / é uma agonia para o pobre Max, / que, separado da sua dolly, / se embrenha na mais profunda melancolia. / Uma vez, quando lhe tiraram a grua, / pensei que nunca mais iria sorrir…”



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