Em Agosto de 1943, André Devigny fugiu da prisão nazi de Montluc, onde teria de cumprir uma pena de morte, sobrevivendo para contar a história, felizmente. Em 1956, Robert Bresson leu essa história e fez questão de demorar os cem dias que Devigny passou na prisão a rodar o filme e usar alguns dos mesmos materiais utilizados na fuga para realizar Fugiu um Condenado à Morte, filme maravilhoso que será a nossa próxima sessão, no estaleiro cultural da velha-a-branca.
Aos Cahiers du Cinéma, que lhe perguntaram em 1957 se a história de Devigny o tinha fascinado ou era só um pretexto, Bresson respondeu: “Sabem... estão-me a perguntar coisas que não me perguntei a mim próprio... Lembro-me da leitura que fiz dessa história: era uma história muito precisa e mesmo muito técnica da evasão. Lembro-me dessa leitura e lembro-me que ela me pareceu uma coisa de grande beleza: era escrita num tom extremamente preciso, muito frio, e até a construção da história era muito bela. Tinha muita grandeza. Havia ao mesmo tempo essa frieza e essa simplicidade que fazem com que sintamos que é uma obra de um homem que escreve com o coração: é algo de muito raro. E como eu procuro, sempre e em primeiro lugar, um tema que possa contentar ao mesmo tempo o produtor com quem trabalho e a minha pessoa, e mais qualquer coisa que esteja muito perto da verdade – porque se eu parto de uma coisa falsa, é-me muito difícil restabelecer essa falsidade para chegar a uma verdade –, achei que esse tema reunia todas as qualidades.”
Paul Schrader, autor de argumentos para Martin Scorsese, John Flynn ou Brian De Palma, bem como realizador do extraordinário Hardcore, escreveu sobre Bresson no seu livro Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer, dizendo a páginas tantas que "os protagonistas de Bresson, como o pároco de aldeia, não conseguem encontrar metáforas capazes de exprimir a sua agonia. São condenados à alienação; nada neste mundo vai apaziguar a sua paixão interior, porque essa paixão não vem deste mundo. Assim sendo, eles não respondem ao seu ambiente, mas sim a esse sentido do Outro que parece muito mais imediato. Daí a disparidade; o protagonista de Bresson vive num ambiente frio, factual e que inclui toda a gente, mas em vez de se adaptar a esse ambiente, ele responde a algo completamente separado dele.
Aos Cahiers du Cinéma, que lhe perguntaram em 1957 se a história de Devigny o tinha fascinado ou era só um pretexto, Bresson respondeu: “Sabem... estão-me a perguntar coisas que não me perguntei a mim próprio... Lembro-me da leitura que fiz dessa história: era uma história muito precisa e mesmo muito técnica da evasão. Lembro-me dessa leitura e lembro-me que ela me pareceu uma coisa de grande beleza: era escrita num tom extremamente preciso, muito frio, e até a construção da história era muito bela. Tinha muita grandeza. Havia ao mesmo tempo essa frieza e essa simplicidade que fazem com que sintamos que é uma obra de um homem que escreve com o coração: é algo de muito raro. E como eu procuro, sempre e em primeiro lugar, um tema que possa contentar ao mesmo tempo o produtor com quem trabalho e a minha pessoa, e mais qualquer coisa que esteja muito perto da verdade – porque se eu parto de uma coisa falsa, é-me muito difícil restabelecer essa falsidade para chegar a uma verdade –, achei que esse tema reunia todas as qualidades.”
Paul Schrader, autor de argumentos para Martin Scorsese, John Flynn ou Brian De Palma, bem como realizador do extraordinário Hardcore, escreveu sobre Bresson no seu livro Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer, dizendo a páginas tantas que "os protagonistas de Bresson, como o pároco de aldeia, não conseguem encontrar metáforas capazes de exprimir a sua agonia. São condenados à alienação; nada neste mundo vai apaziguar a sua paixão interior, porque essa paixão não vem deste mundo. Assim sendo, eles não respondem ao seu ambiente, mas sim a esse sentido do Outro que parece muito mais imediato. Daí a disparidade; o protagonista de Bresson vive num ambiente frio, factual e que inclui toda a gente, mas em vez de se adaptar a esse ambiente, ele responde a algo completamente separado dele.
"É um choque quando Joana d'Arc responde aos seus inquisidores corruptos com sinceridade, franqueza, honestidade, e desconsideração total para com a sua segurança pessoal—não está a responder ao ambiente dela numa proporção de 1:1. Em vez disso, responde aos seus juízes como se estivesse a falar com as suas "vozes" misteriosas e transcendentais. Da mesma forma, em Fugiu um Condenado à Morte, o desejo de fugir de Fontaine ultrapassa qualquer motivação normal de um prisioneiro. Ele não é senão uma Vontade de Fugir encarnada; o espectador só o vê como um prisioneiro cujos fôlegos anseiam todos por ser livre. Ao longo do filme, Fontaine usa uma camisa esfarrapada, suja e sangrenta, e quando recebe finalmente uma encomenda de roupas novas, o espectador rejubila (ou quer rejubilar) por ele. Em vez de experimentar as roupas novas, Fontaine rasga-as imediatamente para fazer cordas. Para a mente de Fontaine (conforme definido pela "privação") a encomenda não continha roupas novas, de todo, mas potenciais cordas. Outro prisioneiro, que tinha o desejo mas não a paixão de ser livre, teria usado as roupas velhas como cordas. A obsessão de Fontaine é a sua qualidade definitiva, e é maior que o seu desejo de estar dentro ou fora desses muros da prisão. A prisão em Fort Montluc é apenas o correlativo objectivo para a paixão de Fontaine. Em Pickpocket, o carteirismo de Michel têm a mesma qualidade obsessiva familiar; não é motivada sociológica nem financeiramente, mas, em vez disso, é uma Vontade de Roubar Carteiras. E quando Michel renuncia o carteirismo pelo amor por Jeanne, a motivação dele é outra vez mal definida. O espectador sente que a paixão assoberbante de Michel foi transferida para Jeanne, mas ainda não sabe qual é a sua fonte."
Já Jacques Lourcelles, no seu Dicionário, escreve que Fugiu um Condenado à Morte é a "quarta longa-metragem de Robert Bresson. Embora o seu filme anterior, Le jornal d’un curé de campagne, tenha conhecido o sucesso, Bresson é ainda um cineasta de fama discreta, conhecido e apreciado pela crítica e por um público pequeno. Un condamné à mort s’est échappé, lançado numa combinação de salas que incluíam o Gaumont-Palce, tornou-o conhecido do grande público. Bresson tinha feito com que o genérico fosse antecedido pela seguinte menção: «Esta história é verdadeira. Dou-a como é, sem ornamentos». Sem ornamentos? Certo. Embora o conteúdo do assunto (uma evasão real) e certos métodos de rodagem se aproximem do neo-realismo: ausência de actores profissionais, pela primeira vez em Bresson; rodagem nos próprios lugares da acção, com acessórios que serviram para a evasão, e a presença do verdadeiro herói da aventura (André Devigny) como conselheiro técnico. (Mas parece que foi muito pouco consultado.) A partir destes elementos, Bresson põe em prática as suas teorias sobre o despojamento do estilo, não as levando ainda até aos limites em que se podem tornar auto-destrutivas. Fazendo a elipse (seria melhor dizer: o impasse) da violência física e de todas as espécies de circunstâncias anexas da acção, Bresson constrói a sua narrativa com uma sucessão de planos aproximados ou de grandes planos de rostos, mas sobretudo de mãos e de objectos. Os actores têm todos a mesma voz, dominada e quase apagada pela voz off do herói-narrador. Este estilo é evidente, quase em demasia: não está aí um ornamento, e dos mais espectaculares? Nunca uma narrativa de acção tinha sido antes relatada desta maneira, minuciosa e elíptica ao mesmo tempo, sóbria e discretamente lírica, totalmente apontada para o aspecto material das coisas para chegar através de si ao interior das personagens. Para Bresson, o despojamento é uma via de acesso ao essencial: o sublinhar da obstinação de um homem face à matéria e aos acontecimentos, inspirada e guiada pela vontade divina. «Ajuda-te a ti próprio e o céu ajudar-te-á», este preceito do bom senso, que o filme ilustra de forma fiel e intensa, é aqui reposicionado no seu contexto original de espiritualidade e de fé. (De resto, um dos primeiros títulos previstos para o filme foi: O céu ajudar-te-á.) Como o herói dele tem fé em Deus, Bresson tem fé nesse herói. O público foi sensível à universalidade e ao aspecto positivo desta mensagem, encarnado na mais emocionante das histórias. Até o despojamento formal desejado por Bresson em torno do seu personagem estimulou a atenção da maior parte das pessoas, revelando-se favorável ao sucesso do filme. Situado no conjunto da obra de Bresson, Un condamné à mort... surge como uma obra de transição entre a teatralidade clássica e raciniana dos primeiros filmes e a teatralidade cada vez mais abstracta e anti-natural das obras posteriores a Pickpocket. Odiando o teatro, Bresson nunca mais o deixará. Passo a passo, ele moldou o seu teatro a si mesmo, sem dúvida o mais « artificial » do cinema francês, repleto de personagens dignos, orgulhosos, obstinados e que tentam compreender o mundo através da sua submissão frequentemente dolorosa – aqui não o é muito – à Divindade. Mas sejam quais forem a sua tenacidade, os seus esforços e o seu sofrimento, em última análise é a Providência que vai fixar a sorte deles.
"BIBLIO. : dois actores do filme escreveram sobre a rodagem. Roland Monod («En travaillant avec Robert Bresson» in «Cahiers du cinéma» nº64) nota : «É uma das coisas que surpreendem mais quando vemos Robert Bresson ao trabalho. Ele sabe desde o início e admiravelmente o que não quer, mas só descobre a pouco e pouco o que quer, ao longo de metros de película, mesmo através da falta de jeito dos intérpretes que reproduzem as suas indicações. O que explica que tenham sido rodados sessenta mil metros de película e só sejam projectados dois mil cento e cinquenta.» R. Monod assinala que a rodagem durou cem dias, o tempo da detenção de Devigny em Montluc. François Leterrier, que, como outro actor do filme (Jacques Ertaud) se tornará realizador, concedeu igualmente um texto aos «Cahiers du cinéma» : «Robert Bresson l'insaisissable» (in nº66)."
Até amanhã!
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