por João Palhares
Voltamos a Jacques Tati, o homem que se sentava horas a fio dentro de cafés para observar o mundo em silêncio através das vitrinas, o realizador que erigiu um dos maiores monumentos do cinema, em que um cenário gigante se transformava num imenso aquário que espelhava as pequenas excentricidades de todos os seres humanos, os belos trânsitos da vida e as frustrações da vida moderna; o francês que transformou o gag e a comédia numa altura em que o ofício parecia desligado dos grandes ensinamentos do cinema mudo, estimulando ainda a imaginação e o talento de Blake Edwards e Jerry Lewis, do outro lado do Atlântico. Depois do desastre financeiro de Playtime, a obra-prima que se conhece, com um desvio pelos engarrafamentos de Trafic, em que Hulot parecia encontrar a felicidade e o amor por baixo de um guarda-chuva, Tati regressa às raízes da sua comédia, situadas nos números populares de circo e de vaudeville que fizeram a fama dos seus grandes mestres, bem como a sua, antes de enveredarem pelo cinema. É em Parade, o filme feito para a televisão sueca que hoje vamos ver.
“O que vocês vão ver não é um filme”, disse Tati em entrevista, “é um espectáculo feito para que eliminemos um bocado o vidro entre o ecrã e os espectadores. Porque se fala muito de "participação" nos dias de hoje. Fala-se muito mas não se a vê muitas vezes. Há um tipo que se faz matar, ele faz-se matar, muito bem, e não se participou de todo. Aqui, é ao contrário: estamos num circo. Um circo é redondo, e os espectadores do circo tornam-se um bocado vocês mesmos. Enquanto como é costume, não paramos de fazer "chiu!", é um dos raros filmes em que o realizador fica encantado que as pessoas falem na sala; temos o direito de aplaudir, como os espectadores do circo. Temos o direito de assobiar. Até temos o direito de ir embora se não acharmos isto agradável.
"Acho que seria pretensioso dizer: "Eu defendo o circo, eu sou um literário! Para mim, o palhaço é uma personagem assim ou assado!". De qualquer forma, Parade não tem absolutamente nada que ver com a arena das estrelas. É mais teatro de variedades do que circo. Se quiserem, o que eu quis mesmo foi devolver a pista às crianças. Deixei-as e disse-lhes: "aqui estão os acessórios todos" e eles começaram a refazer os números todos que tinham visto, começaram a tentar fazer malabarismo, a interpretar e a tornar-se pequenos artistas de circo. Quando se vê um pintor - foi o que eu observei - apercebemo-nos que ele ficaria muito contente se soubesse fazer uns pequenos malabarismos com o seu pincel. E porque é que não o havia de fazer? No meu espectáculo já não se sabe quem é malabarista, pintor, espectador, artista, palhaço ou não-palhaço.
"As pessoas vêem este filme com uma grande tristeza, embora ele seja optimista. O circo é uma escola extraordinária de simplicidade e de gentileza que pode parecer hoje ridícula, nestes tempos modernos. Não teria havido Chaplin, nem Keaton, nem Laurel & Hardy se o circo não tivesse existido. É certo que ele é absolutamente necessário para as crianças: o ambiente, os olhares, os sorrisos destes jovens que vêem o espectáculo, são indispensáveis. E peço desculpa, mas nunca encontrarão isso à frente de um aparelho de televisão. Eu acho que o cinema é um todo: temos o direito de disparar, de matar, temos o direito de nos despirmos, temos direito a fazer tudo. E eu acredito também precisamos de alguma alegria. Quer tenhamos dinheiro ou não o tenhamos, temos direito a rir das mesmas coisas, de nos comovermos com o esforço físico e perigoso de um trapezista. É uma necessidade. Podemos muito bem não gostar disso, dizer que o circo nos chateia, que é triste, que não leva a lado nenhum, mas os movimentos, a câmara, o conjunto, foi dessa maneira que eu tive que filmar o espectáculo."
Aqui têm as regras e as recomendações.
Uma boa sessão para todos!
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