segunda-feira, 7 de maio de 2018

93ª sessão: dia 8 de Maio (Terça-Feira), às 21h30


Depois do Tati inicial, adorado e acarinhado por todos, veremos o último filme do realizador, ainda pouco visto e muito incompreendido. Parade, espectáculo montado por Tati para a televisão sueca, apesar de mais modesto, não é menos revolucionário que um Meu Tio ou um Playtime. É a nossa próxima sessão, na sala de cinema do Braga Shopping.

Em entrevista, o realizador explicou que "o que vocês vão ver não é um filme: é um espectáculo feito para que eliminemos um bocado o vidro entre o ecrã e os espectadores. Porque se fala muito de "participação" nos dias de hoje. Fala-se muito mas não se a vê muitas vezes. Há um tipo que se faz matar, ele faz-se matar, muito bem, e não se participou de todo. Aqui, é ao contrário: estamos num circo. Um circo é redondo, e os espectadores do circo tornam-se um bocado vocês mesmos. Enquanto como é costume, não paramos de fazer "chut!", é um dos raros filmes em que o realizador fica encantado que as pessoas falem na sala; temos o direito de aplaudir, como os espectadores do circo. Temos o direito de assobiar. Até temos o direito de ir embora se não acharmos isto agradável.

"Acho que seria pretensioso dizer: "Eu defendo o circo, eu sou um literário! Para mim, o palhaço é uma personagem assim ou assado!". De qualquer forma, Parade não tem absolutamente nada que ver com a arena das estrelas. É mais teatro de variedades do que circo. Se quiserem, o que eu quis mesmo foi delvolver a pista às crianças. Deixei-as e disse-lhes: "aqui estão os acessórios todos" e eles começaram a refazer os números todos que tinham visto, começaram a tentar fazer malabarismo, a interpretar e a tornar-se pequenos artistas de circo. Quando se vê um pintor - foi o que eu observei - apercebemo-nos que ele ficaria muito contente se soubesse fazer uns pequenos malabarismos com o seu pincel. E porque é que não o havia de fazer? No meu espectáculo já não se sabe quem é malabarista, pintor, espectador, artista, palhaço ou não-palhaço. 

"As pessoas vêem este filme com uma grande tristeza, embora ele seja optimista. O circo é uma escola extraordinária de simplicidade e de gentileza que pode parecer hoje ridícula, nestes tempos modernos. Não teria havido Chaplin, nem Keaton, nem Laurel & Hardy se o circo não tivesse existido. É certo que ele é absolutamente necessário para as crianças: o ambiente, os olhares, os sorrisos destes jovens que vêem o espectáculo, são indispensáveis. E peço desculpa, mas nunca encontrarão isso à frente de um aparelho de televisão. Eu acho que o cinema é um todo: temos o direito de disparar, de matar, temos o direito de nos despirmos, temos direito a fazer tudo. E eu acredito também precisamos de alguma alegria. Quer tenhamos dinheiro ou não o tenhamos, temos direito a rir das mesmas coisas, de nos comovermos com o esforço físico e perigoso de um trapezista. É uma necessidade. Podemos muito bem não gostar disso, dizer que o circo nos chateia, que é triste, que não leva a lado nenhum, mas os movimentos, a câmara, o conjunto, foi dessa maneira que eu tive que filmar o espectáculo."

Em Elogio de Tati, Serge Daney escreveu que "evidentemente, Tati não é apenas a testemunha exemplar e desolada do recuo do cinema francês e da degradação do ofício (ainda que cada um dos seus filmes seja como um documentário, uma perspectiva abissal das suas condições de possibilidade). Ele toma o cinema nas condições em que o encontra (tecnologicamente também) e curiosamente, ele que tantas vezes foi acusado de passadismo, não pensa senão em inovar. Começamos a saber que Tati não esperou por ninguém para repensar ex nihilo, a partir de Jour de Fête, a banda sonora do cinema, mas sabemos que no outro extremo da cadeia, quase trinta anos mais tarde, Parade (escandalosamente ignorado quando da estreia, pelos “Cahiers” também) é uma extraordinária exploração no domínio do vídeo. Na verdade, o grande tema dos filmes de Tati, através dos avatares da produção (ou graças a eles), é aquilo a que chamamos hoje com uma certa facilidade os media. Não no sentido restrito dos “grandes meios de informação”, mas no sentido, mais próximo de McLuhan, das “extensões especializadas das faculdades mentais ou psíquicas do homem”, dos prolongamentos do seu corpo no todo ou em parte. Os media, são já, por excelência a história de Jour de Fête, em que um carteiro, à força de refinar na transmissão da mensagem, a perde (é uma criança que a herda, mas desviada pelo caminho por um circo, não a irá transmitir: bela metáfora da intransitividade da arte moderna), no momento em que o espectador tiver compreendido que a mensagem é ele, o carteiro, Tati. Mas os media são também o fogo-de-artifício lançado cedo de mais e por engano no fim de Vacances e que transformava Hulot em espantalho luminoso, prefigurando o fim genial de Parade em que cada um – seja quem for – se torna rasto luminoso de uma cor numa paisagem electrónica (numa entrevista, Tati explica que tinha substituído os pinos dos malabaristas por pincéis). E os media eram também, em Mon Oncle, esse parti-pris muito surpreendente para a época de não fazer rir à custa dos programas de televisão comprada pelo casal, mas de reduzir essa televisão ao espectáculo das variações de luz fria e baça iluminando o jardim ridículo. A lista não tem fim e poderiam citar-se cem outros exemplos."

Já Jean-Marie Straub, em conversa com Danièle Huillet, Martin Walsh, Peter Gidal, Stephen Heath, Regina Cornwell e Jonathan Rosenbaum, disse que "gosto muito do último Tati (Parade). Rivette estava certo quando disse que Tati se tinha tornado um cineasta político. O que ele faz com o material em vídeo ampliado, o que ele consegue daquilo é extraordinário. E está fora desse grupo político, essas pessoas que saem do cinema à noite e vivem a realidade de forma completamente diferente. O que é emocionante em Parade é que é um filme sobre todos os graus do fluxo nervoso, começando com a criança que ainda não consegue fazer um gesto, que não consegue coordenar a sua mão e seu o cérebro e vai até ao mais talentoso dos acrobatas."

Até Terça!

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