Ainda esta semana, a convite da Civitas Braga e para celebrar os 50 anos do "Maio de 68", escolhemos um filme de um dos maiores sonhadores de Maio, Philippe Garrel, feito em Marrocos para o colectivo Zanzibar, grupo de jovens cineastas financiado por Sylvina Boissonnas. O filme é Le lit de la vierge, alegoria revolucionária de um romântico com banda-sonora de Nico e o colectivo Zanzibar nos papéis principais. Será exibido no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, com comentários finais do nosso associado António Cruz Mendes.
Pedido a comentar sobre os seus filmes dos anos 60, em entrevista a Daniel Kasman, do MUBI, Garrel disse que "eu acho que se pode falhar ou ser bem sucedido em qualquer altura da nossa vida, e um artista nunca melhora, é apenas fiel a si próprio e à sua identidade como artista—e claro que passa por diferentes fases na vida. Desde que comecei a fazer filmes, que gosto de alguns e doutros não gosto tanto, e isso não mudou em 50 anos, sabes—no princípio, era igual ao que é hoje. Acho que nenhuma mudança depende de uma época, ou dos tempos que mudam.
Pedido a comentar sobre os seus filmes dos anos 60, em entrevista a Daniel Kasman, do MUBI, Garrel disse que "eu acho que se pode falhar ou ser bem sucedido em qualquer altura da nossa vida, e um artista nunca melhora, é apenas fiel a si próprio e à sua identidade como artista—e claro que passa por diferentes fases na vida. Desde que comecei a fazer filmes, que gosto de alguns e doutros não gosto tanto, e isso não mudou em 50 anos, sabes—no princípio, era igual ao que é hoje. Acho que nenhuma mudança depende de uma época, ou dos tempos que mudam.
"O que mudei foi a minha maneira de fazer filmes. Durante 15 anos, os meus filmes nunca eram escritos, não tinha argumento nenhum. Depois comecei a escrever filmes, percebi que as minhas mudanças dependiam—as mudanças que ocorreram na minha vida, com um pintor—dependiam das mulheres que amei e com quem vivi. E foi isso que influenciou o meu estilo. Portanto depende mesmo muito disso, e eu sei que passei por tempos e períodos em que uma mulher me estimulou a mudar o meu estilo e a fazer algo diferente. É exactamente como um pintor, sabes, quando um pintor passa por um certo período e o que muda é a atitude dele, não a sua arte. De certa forma, ele pode mudar o seu estilo, e foi assim que eu sobrevivi no ambiente do cinema em filmes populares ou filmes mainstream."
Luís Miguel Oliveira, que co-editou o catálogo da Cinemateca Portuguesa dedicado ao cineasta, abre esse catálogo dizendo que "(...) o cinema de Philippe Garrel, como o de Jean Eustache, "parceiro" de geração que vem terrivelmente à memória quando se vê um filme como Les enfants desaccordés, por exemplo, que por sua vez se parece terrivelmente, no tom e no espírito (assim como dois membros da mesma família se podem parecer um com o outro), com Le Père Noel a les yeux bleues, o cinema de Philippe Garrel, dizíamos, pode ser visto como uma longa, contínua e pessoalíssima crónica de um trajecto ao longo do qual uma série de esperanças se foram perdendo. Garrel, não o esqueçamos (como ele próprio não se esquece), pertence à geração que tinha exactamente vinte anos no Maio de 68. E essa ideia - "Maio de 68" transformado numa ideia - tomada assim mesmo, no mais idealista dos sentidos, continua hoje a corporizar da melhor maneira o que foi essa esperança, seguramente vaga e difusa, mas suficientemente forte para poder ser uma esperança. É uma data que marca um momento determinante na geração e na vida de Garrel, para mais um cineasta que tem na psicanálise um guia quase em forma de crença ("o cinema é Louis Lumière e Sigmund Freud", chegou a dizer), e portanto especialmente atreito a captar a importância dos "momentos determinantes", aqueles de onde tudo parece vir e aonde tudo parece conduzir. Essa "esperança" terá tido outras ideias e outros rostos - o cinema de Garrel também é sobre essas outras ideias e outros rostos - mas foi ficando, gradualmente, como uma coisa lá no fundo, fixa noutro tempo, já não recuperável mas eventualmente tacteável - através do cinema - ou meramente intuível - como a presença de um fantasma, em todo o caso com a evidência de importância suficiente para que se justifique que, nas fronteiras da obsessão, se volte sempre e repetidamente a esse "fundo" e a esse "outro tempo". Os últimos filmes de Philippe Garrel, J'entends plus la guitare, Le coeur fantôme, Sauvage innocence (e percebemos agora, no momento em que os citamos e escrevemos, a que ponto estes títulos se enquadram bem nesta perspectiva) são os filmes que Jean Eustache não teve tempo, oportunidade (nem, provavelmente, vontade) de fazer: filmes de sobreviventes, filmes de alguém que atravessou para o outro lado do tempo da esperança, e que viveu para contar como era (é)."
No mesmo catálogo, Bernard Eisenschitz reconstitui os passos de Garrel no ano de 1968, escrevendo que "(...) em Maio, Philippe Garrel está em Paris e filma, como muitos outros - mas de uma forma diferente (conhece-se o resultado intitulado, segundo as fontes, Actua e Actualités révolutionnaires, apenas a partir das descrições do próprio realizador nas suas entrevistas). Em finais de Maio vai à Alemanha levando consigo a película que lhe ofereceu Claude Nedjar e roda um filme mudo, Le Révélateur. Em Agosto, La concentration é rodado em três dias, em Paris. Estas primeiras longas-metragens, cronologicamente, centram-se à volta de "Maio 68" e dos acontecimentos conhecidos como tendo esta etiqueta (e para as massas e não somente para os cinéfilos, deve-se acrescentar o "affaire Langlois" de Fevereiro desse ano).
"Um ano depois, Le lit de la vierge, financiado por Silvina Boissonas e filmado em cinemascope e a preto e branco em sítios longínquos como a Bretanha e Marrocos pareciam, ao espectador da época, pertencer a uma outra história, como se de um salto se tratasse. Vistos no espaço de poucos meses, os primeiros quatro filmes, principalmente, estão em sintonia com a perturbação das consciências que é também o factor mais duradouro destes acontecimentos, rapidamente confundidos na memória pelo seu lado quotidiano ou anedótico. Tais acontecimentos mostram claramente o que a memória conservaria, a omnipresença da máquina ideológica e repressiva do Estado, um sentimento de fundamental inadaptação face à sociedade prometida e de iminente guerra civil, a necessidade de tudo pôr em causa.
"Recorde-se também que, no movimento que se tinha desenvolvido com crescente importância nestes últimos dois ou três anos - anunciado, com a precisão de um barómetro, em Masculin Féminin (Garrel distancia-se com pertinência das personagens deste filme) ou em La Chinoise - vieram à luz filmes "progressistas" espectaculares e de grande sucesso, um pouco sobre o modelo italiano representado pelo realizador Rosi e pelo argumentista Solinas, Ao lado dos "filmes-limite", de que L'amour fou é o primeiro exemplo, o cinema de Garrel intervém na polémica contra aquela forma de encarar o cinema e a realidade."
Até Quarta!
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