terça-feira, 21 de janeiro de 2020

160ª sessão: dia 23 de Janeiro (Quinta-Feira), às 21h30


Um pai e uma filha, a madrasta e o amante, coordenadas emotivas para um dos mais belos filmes de Manuel Mozos, que prova as maravilhas que é possível fazer com actores e com a ficção no nosso país. Com João Lagarto, Rita Martins, Margarida Marinho e Filipe Duarte, 4 Copas é a nossa próxima sessão no auditório da Casa do Professor.

Em entrevista ao Público em 2009, Manuel Mozos disse que "este filme tem uma nuance. Ao contrário das minhas outras ficções, que partiam de ideias minhas ainda que depois as desenvolvesse com outras pessoas, o argumento do 4 Copas nasceu de um trabalho conjunto com a Cláudia Sampaio e o Octávio Rosado. Julgo que para eles o mais interessante até era o trabalho sobre a história. Mas eu envolvi-me especialmente no desenvolvimento das personagens, de maneira a que nalgumas partes se poderia até dizer que a história ficou fragilizada. Na montagem ainda reforcei mais isso. Tentei tirar partido do que havia de mais forte no trabalho dos actores. Digo "fragilizada" no sentido em que a certa altura me preocupei menos com a "coerência" da história do que com o que fazia com que se pudesse acreditar nas personagens."

A Diana do filme, Rita Martins, assumiu ao Jornal de Notícias em 2009 que "acabamos sempre por dar um bocadinho de nós em todos os papéis. E a Diana tem uma idade semelhante à minha. Tinha 21 anos, como ela, quando fiz o filme. Por isso, a experiência de vida era a mesma. E identificava-me um bocado com a própria história. A personagem não sou eu, mas a forma de estar de uma miúda de 21 anos partia de mim. (...) Houve dois castings. No primeiro, sei que fui seleccionada pela minha aparência física. É norma, porque se procura sempre quem tenha uma aparência física com a personagem. No segundo, já me foi dado um texto para trabalhar. E fiquei eu. Foi um processo normal. Eu é que tinha alguns problemas, porque estava em época de exames. (...) O 4 Copas é um filme muito fresco e pode ser visto por qualquer pessoa. O Manuel Mozos conseguiu isso. É um filme de personagens, que pode ser visto daqui a dez anos. Espero agora vir a ter muito mais visibilidade."

Na sua crítica ao filme, Luís Miguel Oliveira escreve que "o filme de Manuel Mozos tem a capacidade de se confundir, a cada momento, com um infinito amor pelo seu conjunto de personagens, que é de resto a principal razão da sua existência. Nem todos os filmes, e na verdade não é assim uma coisa tão comum, estão interessados em gostar das suas personagens. E muito poucos querem, e sabem, mostrar a cada plano o amor que têm pelas suas personagens. A reduzirem-se - tarefa ingrata - as virtudes de 4 Copas a uma só, essencial, fique-se com essa: a capacidade que o filme tem para se confundir, a cada momento, com um infinito amor pelo seu conjunto de personagens, como se fosse ele a guiá-lo, e declará-lo a principal razão da sua existência. Doce mesmo quando é implacável (o plano em que João Lagarto adormece antes de a mulher, Margarida Marinho, se deitar, e assim com um pacífico ressonar se mostra um casamento em falência técnica), terno mesmo quando é severo (a bofetada de Lagarto na filha, Rita Martins), 4 Copas é um filme que parece feito para ele próprio, o filme, ficar a ver as suas personagens, ver o que elas fazem e como elas sentem, às vezes envergonhado com as suas falhas de carácter (os planos com Marinho, viciada no jogo, a rebaixar-se para conseguir algum dinheiro emprestado), outras orgulhoso das suas virtudes (a cabeça erguida, o peito cheio de ar, de João Lagarto na cena a seguir ao divórcio), mas sempre devotado. A verdade é que, como ensinou um velho cineasta francês, todos têm as suas razões, e é isso que torna a escolha difícil. Ou impossível: mesmo quando as personagens estão já todas zangadas umas com as outras (as três citadas mais a de Filipe Duarte), e não há um plano que possa conter duas delas ao mesmo tempo, o filme - e é talvez a sequência mais bonita - entra num vai e vem a saltar de umas para as outras, planos curtos sobre planos curtos, quase sem "avançar" coisa nenhuma, como se fosse só para conseguir estar com todas em simultâneo (e também para se descansar, e confirmar que elas são fortes, e se aguentaram durante o tempo em que a câmara as abandonou).

"Isto é uma questão de olhar, na verdadeira acepção da palavra, e juntamente com este tipo de dramaturgia sussurrada, num tom menor (como todo o tom menor, uma questão de estilo, e de estilo clássico) que reflecte o esbatimento de uma inquietação numa resignação (redentora ou não), a marca distintiva do cinema de ficção de Manuel Mozos (embora fosse interessante defender que também se encontram estas exactas características num filme como Ruínas). 4 Copas conta uma história "comum" como em Xavier ou no malfadado Um Passo, Outro Passo e Depois... Talvez não fosse tão "comum" a de ...Quando Troveja mesmo se 4 Copas conserva dele alguns ecos muito directos - Diana (Rita Martins), a miúda com nome de deusa da caça que para remendar o casamento do pai se põe a seduzir o homem que lhe seduziu a mulher, é um pouco como os "duendes" que nesse filme cuidavam da vida amorosa de Miguel Guilherme. Tornando-se a força motriz da história (espécie de pequena "metteuse en scène"), é também a personagem mais enigmática - nela coexistem a candura e a perversidade, mas as doses de uma e de outra coisa são cuidadosamente camufladas."

Até Quinta-Feira!

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