terça-feira, 28 de janeiro de 2020

161ª sessão: dia 30 de Janeiro (Quinta-Feira), às 21h30


Já no final do mês, exibimos a última longa-metragem de ficção realizada por Manuel Mozos. Ambientado na sua Lisboa de sempre, mas num tom mais jocoso do que o habitual, narrando os dias de um escritor tornado alfarrabista com as vizinhas, os amigos e Patrícia, pela sua loja e pelo seu bairro, Ramiro é a nossa próxima sessão na Casa do Professor.

Em entrevista ao Público, e quando questionado sobre a ausência de planos gerais (o que torna a cidade mais misteriosa), Mozos admitiu que "eu acho que ainda há um lado secreto, misterioso na cidade, e gosto de sublinhar isso. Se fizesse planos muito abertos, acabaria por dar uma imagem diferente da cidade, não reflectiria essa dimensão misteriosa. Depois, não sei se é por sofrer de vertigens, não gosto nada de utilizar gruas, gosto de ter a câmara a um nível com que nunca perca o contacto, e gosto de estar à câmara na preparação do plano, em vez de usar o monitor. Questões de produção, também: habituei-me a trabalhar com poucos meios, em que para se ter umas coisas tem de se prescindir doutras, e desde o princípio que me habituei a não ter gruas nem material mais sofisticado."

Sobre o actor principal, o realizador diz que "(...) não gosto nada de fazer castings, pelo menos seguindo o modelo tradicional de os fazer. Para o Ramiro havia várias hipóteses, e fomos discutindo os prós e contras de cada um, prós e contras no sentido do que é que a personagem ganharia ou perderia conforme o escolhido. Eu conhecia vagamente o António, tinha visto creio que duas peças com ele. Mas não tinha feito nada em cinema, portanto não havia muita informação sobre ele. Encontrámo-nos algumas vezes e decidi arriscar. É curioso que nas primeiras cenas que filmámos ele estava um pouco receoso, um pouco tolhido pela falta de à vontade. Mas isso era perfeito para a personagem, e eu pedi-lhe que ele não perdesse isso, mantivesse aquela espécie de embaraço à medida em que de facto, com o avanço da rodagem, o perdia. Algo que ele fez muito bem."

Para a Visão, Manuel Halpern escreveu que "talvez o filme se situe algures no meio caminho entre as comédias portuguesas dos anos 40 e 50 e a trilogia de Deus, de João César Monteiro. Ramiro é, sem dúvida, um filme diferente no panorama recente do cinema português. Uma comédia cheia de subtilezas que foge aos padrões facilitistas dos últimos sucessos nacionais de bilheteiras, mas que também se distingue daquele cinema que traz o peso do mundo às costas.

"Conhecendo o percurso do realizador, tudo isso faz sentido. Manuel Mozos é, por excelência, um cineasta de transição, entre gerações, que constrói pontes entre linguagens. Ao mesmo tempo que se formou na Escola Superior de Cinema com Pedro Costa, Teresa Villaverde, Joaquim Sapinho, entre outros, aproximou-se, com participações e cumplicidades, dos cineastas mais novos da chamada “geração curtas” (Miguel Gomes, Sandro Aguilar, entre outros). No caso de Ramiro, isso é flagrante. A história parte de um argumento original que foi oferecido a Mozos por Mariana Ricardo e Telmo Churro, dois dos principais nomes de “bastidores” da nova geração. É assim indisfarçável o aparecimento de uma certa linguagem, mesmo ao nível dos diálogos, próxima sobretudo de Miguel Gomes e João Nicolau. A história em si é feita de personagens-tipo, roçando o caricatural, mas sem que tal se desenvolva até ao limite. Ramiro, o protagonista, acaba até por ser a personagem menos extremada, embora partam dela, da sua reação com o meio, as principais situações de humor."

Já Luís Miguel Oliveira, em 2018, arguiu que "parecendo que não, 4 Copas estreou em 2009 e Ramiro é a primeira longa-metragem de ficção de Manuel Mozos em quase dez anos, período durante o qual ele nunca deixou de estar presente mas vestindo, por norma, a pele de documentarista (nomeadamente, os casos de Ruínas e de João Bénard da Costa – Outros Amarão as Coisas que eu Amei, ambos comercialmente estreados e amplamente divulgados). Ramiro, produção da O Som & a Fúria, obedece a premissas algo especiais: na sua origem está um argumento de Telmo Churro e Mariana Ricardo (habituais colaboradores na escrita dos argumentos dos filmes de Miguel Gomes), escrito a pensar no realizador (como um argumento escrito por “fãs” que se põem a imaginar um filme de Manuel Mozos, ou um filme para Manuel Mozos) mas sem intervenção directa dele, pelo menos até certo ponto. O desafio, assumido, era este: lidar com um argumento de terceiros que funcionava, em parte, como uma compilação de elementos associados ao cinema de Mozos. 

"Ficaram outros elementos, como é evidente, naturais e “idiossincráticos” em Telmo e Mariana, como certos apontamentos humorísticos que pareceriam “normais” num filme de Miguel Gomes e que aqui – por exemplo, logo numa das primeiras cenas, a lengalenga da miúda no alfarrabista – originam uma estranha sensação de deslocamento, pela simples razão de que não reconhecemos ali a “linguagem” de Manuel Mozos. Em todo o caso, isso faz parte do desafio; e em última análise, “à la longue”, num filme que tem várias “camadas de leitura”, o desafio é reflectido pelo filme, culminando naquele final em que o protagonista Ramiro recupera a sua obra (um caderninho de poemas que lhe tinha sido roubado) a um vendedor da Feira da Ladra. Como ele, também Mozos “recupera” o seu filme, organicamente, e faz corresponder ao seu olhar o que era na base um olhar de terceiros sobre a sua obra e sobre o seu estilo."

Até Quinta!

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