sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Aldina Duarte - Princesa Prometida (2009) de Manuel Mozos



por Nuno Pacheco

No palco da Culturgest, hoje, vai estrear "Mulheres ao Espelho". Na tela do IndieLisboa, dia 26, vai ser protagonista do documentário Princesa Prometida, de Manuel Mozos. E em 2010 Olga Roriz vai levar os seus fados à cena. 

É quase uma ironia, mas aconteceu assim: Aldina Duarte entrou no mundo do fado por causa de um documentário que não chegou a ser feito. Agora, já fadista, foi ela mesma objecto de um, realizado por Manuel Mozos e programado para estrear no IndieLisboa (dia 26, às 21h45, na sala 1 do São Jorge). 

Porquê Mozos? Aldina cantara já um fado no seu filme Xavier, em 1991, e foi com ele que foi pela primeira vez a uma casa de fados, em 1993, com o objectivo de preparar entrevistas com Beatriz da Conceição, Celeste Rodrigues e Fernando Maurício (que entretanto morreu). Encantou-se de tal modo ao ouvir cantar Beatriz da Conceição que se tornou, ela própria, fadista. Quanto aos documentários, que seriam realizados por Jorge Silva Melo, não chegaram a ser feitos. E foi Aldina quem veio a figurar num, Princesa Prometida, assinado por Mozos. 

"Para mim é muito estranho, porque não fiz nada para que isto acontecesse. A Maria João Seixas, que ainda não conhecia pessoalmente, foi apresentar uma das quintas-feiras de leitura, no Porto, no Teatro Campo Alegre. A primeira parte era dedicada à poesia da Maria do Rosário Pedreira (eu não a conhecia mas já era fã, tinha ouvido as duas letras que ela escreveu para o último disco do Carlos do Carmo) e na segunda parte ia eu cantar fados, porque me convidaram." 

Dada a coincidência, Aldina pediu a Rosário Pedreira que lhe escrevesse então uma letra para ela estrear lá, o que veio a acontecer (foi "O amor não se desata", que entrou depois no disco Mulheres ao Espelho). Mas o pretexto para o filme veio depois. "Num jantar, estávamos a falar sobre política e eu não fui politicamente correcta. A Maria João Seixas achou extraordinário e disse que se tivesse um programa de entrevistas me entrevistava naquela altura. Porque, disse ela, a minha vibração infantil-adolescente com a minha idade era uma coisa rara." 

Passados três meses, apareceu-lhe com a ideia do documentário, já com tudo tratado. Como fio condutor haveria uma noite de fados no Palácio Fronteira e uma entrevista com Aldina, que foi feita em casa dela, na Madragoa ("Foi a primeira vez que abri assim a minha casa, porque era a pessoas minhas amigas. Mas fez-me impressão e não quero voltar a fazê-lo"). 

O concerto foi gravado em Dezembro de 2007 e as filmagens consumiram uma semana de Fevereiro de 2008. Além disso, ela tinha que escolher os percursos e as pessoas que queria integrar no filme. "Escolhi só duas: uma que tem a ver com a minha vida pessoal, que é a minha mãe; e outra ligada ao meu trabalho, o Jorge Silva Melo, que é a pessoa com quem eu acho que aprendi mais profissionalmente." 

A conversa com Silva Melo decorre no Largo do Carmo, numa feira de livros usados, enquanto a conversa com a mãe decorre no Jardim Tropical, junto a uma árvore enorme. "Sempre achei que aquela árvore era a minha mãe. Pelas raízes tão visíveis, tão fortes." 

Do cinema mudo a Olga Roriz 

Olhar-se no ecrã ou na tela é coisa que lhe faz impressão. "Eu tenho sempre medo destas coisas porque não me quero tornar bizarra. Não quero tornar-me, eu, Aldina, mais importante do que o meu trabalho. Há pessoas que adoram as minhas entrevistas mas não gostam do meu trabalho, por exemplo." 

Já viu o filme três vezes, mas nunca sozinha. Não é capaz. Aquilo que deu origem ao documentário, o encontro no Porto com Rosário Pedreira e Maria João Seixas, em Junho de 2007, foi também aquilo que deu origem ao disco "Mulheres ao Espelho", gravado em Dezembro de 2007, lançado em 2008 e que só agora vai estrear na Culturgest (dia 22, às 21h30). É do disco o fado escolhido para titular o filme, "Princesa prometida", onde Aldina escreveu: "Espelho meu que aconteceu/ do que é teu e do que é meu/ já não temos a certeza." 

Toda a história do filme, aliás, diz Aldina, "anda à volta da temática do disco." Do filme, Aldina espera que quem o vir retenha o essencial: "Que vale a pena tentarmos negociar as nossas revoltas com os nossos amores; que independentemente da nossa origem vale a pena manter sempre a consciência de classe, mas acreditando e fazendo o que está na nossa mão para melhorar a nossa vida e as dos que nos rodeiam; que a cultura e o conhecimento podem ser salvação para muitos males." 

Do disco, ao pô-lo em palco, deixará de fora os fados que não são criação sua, excepto um, "Não vou, não vou", de Lucília do Carmo. "Porque define todos os meus medos e toda a minha coragem." E abrirá a noite com "Lírio Quebrado", do seu primeiro disco, que tem a ver com os tempos em que trabalhou na Cinemateca e se apaixonou pelo cinema mudo. 

Com o espectáculo e o filme em estreia quase simultânea, vai já somando novos fados que lhe chegam. Amélia Muge prometeu-lhe um, Manuel João Vieira já fez dois (só música), Paulo de Carvalho gravou-lhe um original e José Mário Branco ofereceu-lhe, pela primeira vez, um fado seu, novo, com letra de Manuela de Freitas, "Apenas o Vento". "Eles sabem que eu adoro o vento. É das coisas que mais me acalma, como tudo o que é bravo, como o mar. Sou tão inquieta e tão agitada interiormente que é preciso algo mais forte para eu relativizar as coisas. Uma espécie de vassoura." 

Ela não planeia, mas as coisas vão acontecendo. Anteontem cantou nos Açores com António Zambujo (está a escrever para o novo disco dele); voltará ao Porto para cantar no Campo Alegre; em Junho, cantará no Castelo de São Jorge, em Lisboa, ao lado de Maria do Rosário Pedreira, Manuel Paulo e Nancy Vieira; já tem convites para cantar na "Festa do Avante!" e no Teatro Azul de Almada. "E em 2010 vai realizar-se o sonho da minha vida." Disse ao Jorge Salavisa que gostava muito que alguém da área do bailado desse corpo aos fados de "Mulheres ao Espelho". Esse alguém já existe e chama-se Olga Roriz. O espectáculo, "Aldina por Olga Roriz", estreia-se em Julho de 2010.

in jornal «Público», 16 de Abril de 2009

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