sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Solitarium (1996) de Manuel Mozos



por Fernando Magalhães

O maior “pecado” da pop continua a ser o de querer deixar de o ser. Rodrigo Leão insiste na menção a referenciais pop, em relação ao seu trabalho, mas a evidência mostra que a sua alma deriva hoje por outras frequências do espectro musical. Theatrum, segundo álbum com os Vox Ensemble, depois de Ave Mundi Luminar e do EP Mysterium, é o típico objecto que é fácil denegrir, sob as acusações de “pretensiosismo” e de acomodação a uma leitura simplificada da música clássica. 

Seria fácil classificar Theatrum como a mera procura do bonito e do politicamente correcto, com base em referências que vão de Michael Nyman a Mozart e Górecki. Ao invés, estamos perante algo mais do que simples teatro. Ao contrário de Ave Mundi Luminar, onde é por demais óbvia a sedução que a lógica das estruturas formais exerceu sobre Rodrigo Leão, em Theatrum percebe-se um arrebatamento e uma interiorização das formas “eruditas” que colocam a sua música acima, ou para além, da descodificação imediata das formas. 

A teatralização aqui é da ordem do drama, ou da tragédia, no sentido clássico grego, e de pulsações cuidadosamente revertidas para uma linguagem que se assume como liturgia. Com o Vox Ensemble e a ajuda do coro Ricercare juntou Rodrigo Leão uma tapeçaria de tristeza onde as formas clássicas se fundem com a artilharia gótico-industrial de uns In The Nursery (“Locus secretus”) e a computação tecnológica, aspecto no qual o seu trabalho se revela particularmente notável, seja na sequenciação dos “samples” percussivos ou ambientais, seja na simulação de mil e um arcaísmos, de que são exemplos os excelentes “Dies irae”, “O corredor” e “Contra mundum”. 

Theatrum despede-se e celebra o luto de uma música, a pop, em agonia. Ou de algo mais, na lamentação final, cantada em russo – “O novo mundo” – tal como no início, “In memoriam”, a bailar no som de sinos que sabemos serem os da loucura… 

16 de Outubro de 1996.

in blog «fmstereo»

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