quarta-feira, 4 de março de 2020

166ª sessão: dia 5 de Março (Quinta-Feira), às 21h30


A nossa próxima sessão é dupla, já na recta final da maior retrospectiva alguma vez feita em Portugal à obra de Manuel Mozos. A primeira parte é Crescei e Multiplicai-vos, uma curta-metragem de 2000 com Carla Chambel e Fernando Luís, baseado num conto de Urbano Tavares Rodrigues com o mesmo nome. A segunda é o último filme de Mozos, Sophia, na Primeira Pessoa, colagem poética de arquivos pessoais e testemunhos públicos da escritora. Às 21h30 no auditório da Casa do Professor.

Sobre Crescei, e em entrevista a Miguel Gomes para o catálogo «Manuel Mozos - Um Ponto de Vista», publicado pelo Festival de Cinema Luso Brasileiro de Santa Maria da Feira, o realizador admitiu que "não acho que seja um filme demagógico. Poderia dizer que é um filme que daqui a vinte anos vai ser compreendido, mas não é verdade. É mauzote. No entanto, há meia dúzia de momentos que são conseguidos. É constrangedor porque o projecto não era meu, só intervim na fase de rodagem e, parcialmente, no casting. Mas não estou arrependido de o ter feito.

"(...) acho que fiz um filme mau. Existem alguns planos de que gosto mais: quando o casal espreita à porta, quando ela põe a cabeça para trás, quando estão fora da igreja, um ou dois planos do Fernando Luís e até o plano final que acho completamente... fora."

O ano passado, em entrevista ao site Comunidade, Cultura e Arte, Mozos falou sobre Sophia, na Primeira Pessoa, dizendo que "(...) apesar de em termos de realização eu ter tido um prazo relativamente limitado ― tive alguns meses para poder pensar o filme e fazê-lo segundo os compromissos que tinha com o centenário e com a própria RTP (este documentário foi feito para a RTP, partindo da comissão comemorativa do centenário do nascimento da Sophia e, portanto, o filme teria de estar terminado até à data da celebração, 6 de novembro) ― isso foi conseguido. No início, apesar de gostar e de conhecer relativamente a obra de Sophia, sobretudo enquanto poeta, havia muita coisa que eu desconhecia e, realmente, na investigação e pesquisa feita é que fui percebendo, conhecendo e aprendendo coisas que, se não fosse pelo filme, provavelmente ainda não conheceria. Como já disse, no início até se punha a hipótese de haver depoimentos de outras pessoas e assim, mas com o avançar da pesquisa é que fui começando a delinear o que é que o filme poderia ser. Ou seja, íamos montando o material que tínhamos e, à medida que encontrávamos sequências ou linhas que nos pareciam interessantes, íamos filmando, montando e definindo aquilo que iria ser o filme."

Já Joana Emídio Marques escreveu para o Observador que "depois da morte da poeta em 2004, foram sendo produzidas dezenas de trabalhos, debitadas centenas de palavras, de opiniões, comentários, encómios. Criou-se uma outra Sophia cada vez mais distorcida e distante daquela que um dia viveu, escreveu e pensou. Torna-se e retorna-se aos lugares comuns: a Grécia, o sol, o mar, o branco e o azul. Há uma espécie de acordo tácito em fazer de Sophia uma poeta pueril e fácil. Mas, na verdade, Homero nunca designou a cor azul, porque os gregos não tinham nome para esta tonalidade. O mar de Homero é sempre negro ou cor de vinho. O mundo grego é terrível e cruel, a musa ensina-lhe o canto que, no final, lhe “corta a garganta”.

"O grande espanto que nos causa este documentário é vermos como de entre congressos e panteões, tudo o que fazia falta a Sophia era que alguém a libertasse, lhe devolvesse a voz. O documentário de Mozos não recorre a nenhuma outra voz que não a da artista. Não há comentadores, especialistas, filhos, amigos. Não há ninguém a não ser ela: “Quem procura uma relação justa com o homem (…) é necessariamente levado a buscar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo”, ouvimo-la dizer, enquanto as praias do Algarve, onde ela tanto nadou, não são um bilhete postal, mas um lugar de faina, onde homens de rosto duro e curtido pelo sol se lançam ao trabalho."

Até amanhã!

Sem comentários:

Enviar um comentário