quinta-feira, 27 de junho de 2024

Espero Tua (Re)volta (2019) de Eliza Capai



por Inara Chayamiti

“Quem vai contar essa história sou eu” diz Marcela Jesus na introdução do filme protagonizado por ela, Nayara Souza e Lucas “Koka” Penteado. Os três fizeram parte da mobilização estudantil que, entre 2015 e 2017, saiu às ruas e ocupou mais de 200 escolas secundárias contra a reorganização do ensino proposta pelo governo do Estado de São Paulo e em defesa de uma educação pública de qualidade. 

Espero Tua (Re)volta, dirigido por Eliza Capai, leva-nos para o centro de um debate muito importante e cada vez mais incontornável no âmbito do documentário: afinal, quem deve contar a história? 

Por muito tempo, o documentário foi dominado por um fazer extrativista do homem branco hétero com uma câmara a reduzir o mundo ao seu “male gaze”. O potencial do cinema de proporcionar ao público a entrada em outros mundos, com todas as suas complexidades e idiossincrasias, ficava limitado. Com a democratização dos meios de produção de cinema e a ampla discussão sobre a falta de representatividade nos ecrãs, aos poucos, isso tem mudado. 

A câmara de Capai é um instrumento de poder que ela divide com os retratados de forma tão transversal que o resultado é um filme que é o espelho dos personagens. Assim como eles ocuparam as escolas, ocuparam também o próprio filme. E enquanto contam suas histórias e suas perspetivas singulares sobre os acontecimentos, parecem até estar sentados na ilha de edição a dizer aos montadores como organizar a narrativa. 

O filme também é um vívido retrato da importância da participação dos jovens na democracia e do tortuoso percurso de uma mobilização social, desde como começam até os desafios que enfrentam e as conquistas. Entre os desafios, o mais traumático e brutal é a violência policial. Enquanto os jovens lutam para que suas escolas não sejam fechadas pela alegada falta de recursos, a polícia ataca-os com caríssimas bombas de gás lacrimogéneo. “Cada bomba dessa aí dá 500 merendas [refeições] em uma escola, mais 500 merendas jogadas fora”, narra Koka numa das cenas. Violência experienciada por muitos já nas manifestações de 2013 que levaram milhões às ruas, também lembradas pelo filme como contexto histórico. 

Outro aspeto interessante é que, além da pauta da educação, os estudantes trazem também temas pouco trabalhados no ambiente escolar, como o feminismo e o racismo. Nas ocupações, isso é debatido e inserido nas práticas do quotidiano, como por exemplo ao atribuir a rapazes funções na cozinha e de limpeza. 

Acredito que é esse tipo de cinema disruptivo que nos proporciona um real encontro com o outro. E desse encontro podem surgir conexões e entendimentos mais profundos para que possamos ver-nos uns nos outros e realizar as transformações sociais de que tanto precisamos.



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