quarta-feira, 3 de julho de 2024

Land des Schweigens und der Dunkelheit (1971) de Werner Herzog



por António Cruz Mendes

No país do silêncio e da obscuridade, coloca-nos perguntas simples, mas desafiantes: Como é que um cego-surdo pode distinguir a noite do dia? Como se educa uma criança que nasceu assim a ter horas regulares de dormir e estar acordado? O que se passa no seu mundo interior? Como comunicar com ela? 

Personagens singulares e marginais, situações de estranheza e incomunicabilidade, são temas recorrentes na filmografia de Herzog. Já vimos aqui, no cineclube, filmes seus que nos falam de viagens fantásticas a regiões isoladas. Recordo, como exemplo, Aguirre, a cólera de Deus. Também aqui é de uma viagem que se trata, uma viagem a um “país” para nós desconhecido, onde reina “o silêncio e a obscuridade”. 

Fini Straubinger é a nossa guia na descoberta desse mundo assombroso. Por ela, ficamos a saber que a surdez não significa necessariamente silêncio. No seu caso, é antes “um som constante que vai de um gentil zumbido, passa pelo som de coisas quebrando e pode ir até um zumbido muito alto e constante”. Da mesma forma, a cegueira não tem que ser a escuridão total. Ela vê “todo o tipo de cores, preto, cinza, branco, azul, verde, amarelo...” 

Fini leva-nos a conhecer outras pessoas como ela. São como ilhas de um grande arquipélago, o seu grande inimigo é o isolamento. Conta-nos ela que não pode evitar um estremecimento sempre que é tocada e, quando esse contacto cessa, parece que a pessoa que a tocou se afastou para muitíssimo longe. 

A dada altura, as suas viagens levam-na ao encontro de um jovem cego e surdo que cresceu apenas com a companhia do pai e nunca aprendeu a falar. Estamos próximos de um ser humano reduzido a uma condição extremamente primitiva, o que nos traz à memória O Enigma de Kaspar Hauser, um outro filme de Herzog que nos fala de um jovem que viveu encarcerado até à idade de 16 anos, sem saber falar e sem quaisquer contactos sociais. 

Nestas condições, a luta contra a solidão apresenta-se como uma condição da humanidade. O tacto é o único meio de que os cegos-surdos dispõem para conhecer o mundo que os rodeia e é necessário explorá-lo maximamente. No filme repetem-se os grandes planos das mãos. É uma linguagem táctil que lhes permite “falar” e podemos seguir os seus caminhos de descoberta nas visitas que fazem a um jardim zoológico ou a um jardim botânico, tocando, fascinados, em animais e plantas desconhecidas. Trata-se de uma aventura onde, por momentos, ensaiam sair da bolha onde se encontram confinados. Ou, como nos diz a senhora que, numa reunião de cegos-surdos onde se fortalecem relações de amizade, se levanta para dizer um poema, “a mais bela das artes”. É esse o título do poema da sua autoria e que ela recita em voz alta: 

“Satisfeito, carregando a tarefa mais sagrada / Renunciando de uma nobre maneira ao seu desejo pessoal / Vivendo na escuridão do sol, mas brilhando como uma estrela. / Isso é uma arte que apenas alguém cuja alma foi moldada no paraíso pode entender”.



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