quarta-feira, 31 de julho de 2024

Em Agosto, no Lucky Star:




Glocken aus der Tiefe - Glaube und Aberglaube in Rußland (1993) de Werner Herzog



por Jessica Sérgio Ferreiro

A dissolução da União Soviética e a subsequente instabilidade vivida na Rússia colocou em xeque a ideologia defendida pela União Soviética, baseada no materialismo histórico, pelo qual o devir civilizacional se cumpriria pela modernização tecnológica e pela colectivização dos meios de produção, intento que uniria nações neste projeto comum. Esta premonição teleológica, preconizada pelo racionalismo científico não se coadunava com a religião e a crendice que eram consideradas contra-produtivas e contrárias ao sentido ou destino, tido como único, da história humana e que a União Soviética idealizava. 

Contrariamente ao postulado, Herzog, na procura constante de imagens do mundo, ou de diferentes mundos, que fujam do brutalismo dos blocos de cimento impessoais da civilização moderna, como reitera no documentário de Wim Wenders, Tokyo-ga de 1985, mostra-nos uma Rússia supersticiosa e sedenta por uma transcendência religiosa. 

Nesta procura pelo exótico, proporcionada pela imensidão da massa terrestre e diversidade cultural que compõem a Rússia, Herzog encontra, nas zonas mais recônditas (e ainda no rescaldo da dissolução da União Soviética), pessoas e comunidades que aderem a performances de devoção ao sagrado. Na busca pelo sublime, por um sentido para a existência além do mundo material, Herzog traz para a cena pessoas que, unidas pela crença, encontram nas práticas místicas, xamânicas e religiosas, o apaziguamento necessário para as suas inquietações mundanas. 

No primeiro acto, entra em cena um homem, pertencente aos povos autóctones da Sibéria, que perfomatiza um cântico difónico e gutural para comunicar com os espíritos, o qual vemos, depois, a realizar uma cerimónia/bênção xamânica em casa de uma família. De seguida, é-nos apresentado outro género de Xamã: Vissarion – “O Redendor” (The Redeemer), reencarnação de Deus na terra, que tem a aparência de um ícone vivo e universal, que qualquer pessoa reconheceria como a personificação de Jesus Cristo. Vissarion está em todo o lado, abençoa uma devota na floresta e, logo depois, de frente para a câmara e de costas para o lago, enquadrado num plano médio, professa um sermão coerente sobre as desigualdades no Mundo e a opressão que uns exercem sobre os outros. Vissarion também realiza visitas para reconfortar aqueles que precisam, atenuando aflições com as palavras do Senhor. O profeta voltará a entrar em cena, na parte final do filme, para abençoar os espectadores com o seu derradeiro discurso. 

Ainda na primeira parte, são mostrados diversos pastores, curandeiros e líderes espirituais a realizar “transmissões cósmicas”, baptismos e outros tipos de expurgações dos males que acossam a alma. A narração de Werner, que nos traduz o que é dito pelas curiosas personagens, dá uma ênfase dramática extra ao conteúdo, por exemplo, aquando do exorcismo a um grupo de mulheres, ouve-se relatar o seguinte: “I sorcerer of Russia, command you open your hearts like the gates of Hell”, enquanto assistimos e ouvimos os gritos de desespero de uma das participantes. 

No entreacto, somos confrontados com a estória de um ex-operador de projecção de cinema que se dedica a arte de tocar os sinos. Os planos médios e aproximados permitem-nos observar de mais perto cada gesto e movimento do músico, enquanto ouvimos as intrincadas melodias que nos transportam às profundezas de um mundo antigo. A graciosidade da música ilude-nos por instantes, o relato do artista denuncia os modos de um mundo violento, assim como as mágoas, a solidão e a melancolia que dele resultam, encontrando, contudo, na prática artística, a fé e alegria necessária para dar sentido à sua condição humana. 

Na segunda parte são-nos contadas as estórias em torno da cidade perdida de Kitezh, a qual se encontraria submersa, no fundo do lago Svetloyar, segundo reza a lenda ortodoxa, a par com a estória da catedral soterrada debaixo de uma montanha, cheia de crianças com velas na mão. Relato, o qual, se faz acompanhar por imagens de peregrinos a cumprir promessa de joelhos pelos trilhos da floresta verdejante até alcançarem o lago. Já na parte final do filme, vemos outros peregrinos, no inverno, a rastejarem, deitados de barriga para baixo, contra o gelo do lago cristalizado, como que à procura de um vislumbre da cidade afundada por Deus. Porém, sabe-se que esta última cena foi simulada a pedido do realizador. No final do filme, vemos o mesmo lago cheio de pessoas, umas a pescarem, outras a patinarem sobre o gelo, emergindo, deste modo, à superfície o mundo que até agora nos tinha sido escondido pelo realizador. 

Ao longo do filme, somos confrontados com o nosso cepticismo, sensação que nos chega através da dobragem feita por Herzog, levando-nos a questionar, por vezes, o que está realmente a ser dito, mas, também, quando, ironicamente, nos é traduzido que Vissarion alerta, os seus crentes, sobre possíveis impostores, disfarçados de profetas. O formato do filme, também, exacerba este pressentimento, por nos remeter para o documentário televisivo ou jornalístico que pregoa a neutralidade e assume para si mesmo o status de comunicador da verdade, mas que, geralmente, se sustém num par de factos recolhidos que carecem de um contexto. Assim, Herzog consegue confundir o espectador, mesclando real e ficção, cepticismo e empatia. Porém, é através de elementos ficcionais que verdades “mais verdadeiras” emergem, ou seja, que melhor se representa o real e a complexidade humana, favorecendo a identificação e a introspeção por parte dos espectadores. 

Em Badaladas das Profundezas a submissão dos sujeitos a um qualquer poder misterioso confere ao humano a qualidade de humano, assumindo-se o seu aspecto frágil e sensível, a sua condição vulnerável num Mundo imenso e repleto de mistérios. É assim que Werner Herzog nos ensina que lendas e mitos, rituais religiosos e práticas místicas são, de facto, tão história quanto a História. É a componente poética que caracteriza o seu cinema de verdade-extática – o que é mostrado trespassa a verdade factual, transcende-a para se encontrar com o âmago da experiência humana, deixando, contudo, espaço para o espectador tirar as suas ilações.



La Soufrière - Warten auf eine unausweichliche Katastrophe (1977) de Werner Herzog



por Rute Castro

Werner Herzog, nascido a 5 de setembro de 1942 em Munique, Alemanha, é um dos cineastas mais icónicos e influentes do cinema contemporâneo. Herzog é conhecido pela sua abordagem audaciosa e muitas vezes perigosa de fazer filmes, mergulhando em situações extremas para capturar a essência das experiências humanas e da natureza. 

O seu estilo único é caracterizado por uma combinação de documentário e ficção, frequentemente desafiando as normas e fronteiras estabelecidas pelo cinema tradicional. Herzog não apenas narra histórias, mas sim explora as profundezas da condição humana, o confronto entre homem e natureza, e a busca por significados mais profundos. 

Em La Soufrière, Herzog aproveita a iminência de um desastre natural para explorar a psique humana diante da incerteza e do medo. A decisão de Herzog de viajar para um estratovulcão ativo em Guadalupe prestes a ser devastada por uma erupção vulcânica exemplifica o seu compromisso inabalável com a verdade cinematográfica e a exploração das extremidades da experiência do homem. 

La Soufrière é mais do que um simples documentário sobre um evento vulcânico. É um estudo profundo da coragem e da resiliência do indivíduo diante do inevitável. Herzog entrevista quem se recusa a abandonar a sua casa, capturando a filosofia de vida daqueles que, diante da morte, escolhem a serenidade em vez do pânico. As imagens de paisagens desertas e o silêncio omnipresente conferem ao filme uma atmosfera de espera tensa e quase apocalíptica. 

A ilha de Guadalupe, com uma história rica em erupções vulcânicas, serve como um cenário dramático que Herzog utiliza para questionar as motivações daqueles que decidiram permanecer. Entre os entrevistados, há pessoas que falam da sua ligação inquebrantável com a terra, da aceitação do destino, e da decisão consciente de não ceder ao medo. Estes testemunhos oferecem uma visão profunda sobre as razões individuais que desafiam a lógica convencional de sobrevivência. 

A abordagem de Herzog em La Soufrière oferece uma crítica implícita à sociedade moderna e à sua relação com a natureza. Ao documentar a decisão dos habitantes de permanecerem em suas casas, Herzog provoca uma reflexão sobre a ligação intrínseca do ser humano com a sua terra, mesmo diante da destruição iminente. 

La Soufrière destaca-se como mais do que um documentário excecional, é uma meditação filosófica sobre a condição humana, o medo e a resignação diante do desconhecido. Herzog, com sua abordagem ousada e poética, transforma um evento natural numa reflexão profunda sobre a vida e a morte.



segunda-feira, 29 de julho de 2024

354ª sessão: dia 30 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


Duas curtas-metragens de Herzog para ver na biblioteca 
 
Durante o mês de Julho, o Lucky Star – Cineclube de Braga exibe mais seis filmes do cineasta alemão Werner Herzog, na continuação do ciclo que lhe dedicou o ano passado, também em parceria com o Goethe-Institut. As sessões realizam-se às terças-feiras às 21h30 no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 
 
Intitulado “E num breve instante, o sublime - seis filmes de Werner Herzog”, o ciclo termina amanhã à noite com a exibição de duas curtas-metragens, La Soufrière, rodada nos anos setenta na ilha de Guadalupe, e Badaladas das Profundezas, realizado na Rússia nos anos noventa. 
 
Quando soube da evacuação total da ilha de Guadalupe, devido à possibilidade de erupção do vulcão de La Soufrière, e que havia um homem que se recusava a sair do território, Werner Herzog fez as malas e rumou até lá. Acabou por encontrar não apenas um, mas três homens, que lhe falaram das suas visões e das suas posturas para com a vida e a morte. 
 
“Eu estava a montar Stroszek quando soube da erupção vulcânica iminente,” disse Herzog sobre este filme a Paul Cronin, “e descobri que a ilha de Guadeloupe – com população de oitenta mil – tinha sido evacuada, embora uma pessoa se tenha recusado a sair. Soube imediatamente que queria falar com ele e descobrir que tipo de relação é que este homem tinha com a morte. Ele é a razão por que segui para a ilha e fiz o filme; garanto-vos que não fomos por pensarmos que ia ser divertido irmos para cima de um vulcão em erupção.” 
 
Com o subtítulo de “Fé e Superstição na Rússia”, Badaladas das Profundezas explora o misticismo russo, contando com encontros e conversas com vários fiéis bem como a presença de Vissarion, um curador espiritual que afirma ser a reencarnação de Deus como tinha sido Jesus Cristo. Herzog procura ainda a cidade perdida de Kitezh. 
 
Referindo-se a este segundo filme, Herzog disse que “é um dos exemplos mais pronunciados do que eu quero dizer quando afirmo que através da invenção, fabricação e encenação se pode alcançar um nível de verdade mais intenso. Eu peguei num facto – de que para muitas pessoas este lago era a última morada desta cidade perdida – e explorei a verdade da situação para chegar a uma compreensão mais poética.” 
 
As sessões do cineclube ocorrem sempre às terças-feiras, às 21h30, e a entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do Lucky Star - Cineclube de Braga têm entrada livre.

Até Terça-Feira!

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Echos aus einem düsteren Reich (1990) de Werner Herzog



por João Palhares

Jean-Bédel Bokassa nasceu a 22 de Fevereiro de 1921 em Bobangui, uma aldeia M’baka situada a oitenta quilómetros de Bangui, capital da República Centro-Africana, na altura parte da África Equatorial Francesa. Era um dos doze filhos de Marie Yokowo e Mindogon Mufasa. Mindogon era um dos chefes de Bobangui e foi espancado até à morte em M’Baiki, depois de se revoltar contra a companhia Forestière recusando-se a continuar a recrutar aldeães para trabalho forçado nas empreitadas dos franceses. Destroçada com a morte do marido, a mãe de Bokassa suicidou-se uma semana depois deixando o rapaz órfão aos seis anos. Perseguido, rodeado e comandado pela morte a cada passo do caminho, Bokassa combateu pelos franceses durante a Segunda Guerra Mundial, sendo imensamente condecorado, regressando à já livre República Centro-Africana durante os anos sessenta onde co-conspirou um golpe de estado com Alexandre Banza e depois o mandou fuzilar, auto-proclamando-se imperador nos anos setenta tomando como exemplo os conquistadores e déspotas da antiguidade e Napoleão. 

Michael Goldsmith nasceu no mesmo ano que Bokassa em Viena. Filho de pais ingleses, fez os estudos universitários em Londres e serviu como oficial de informações do exército britânico durante a Segunda Guerra. Em 1945, juntou-se à Associated Press, e apesar de trabalhar maioritariamente a partir de Geneva e de Paris, viajou imenso em trabalho para cobrir os tumultos que resultaram das independências de países como o Congo, a Argélia e o Iémen, a construção do muro de Berlim, a guerra do Vietname, a guerra no Médio Oriente em 1973 ou a guerra civil afegã. Quando estava a cobrir a coroação de Bokassa, que se realizou no estádio de Bangui a 4 de Dezembro de 1977, foi detido depois de enviar o artigo por fax, acusado de ser um espião francês, espancado pelo próprio Bokassa, dois dos seus filhos e um grupo de homens ao seu serviço, e finalmente aprisionado durante um mês na Prisão Central de Ngaragba. 

Ecos de um Império Sombrio muito dificilmente será um documentário. Inaugura-se e encerra-se com sequências encenadas que desenvolvem com imenso risco uma possível poética do pesadelo. E apesar de isso ter sido tentado bastantes vezes durante a produção do filme, Bokassa não foi interpelado directamente e surge apenas em imagens de arquivo, sendo mencionado por todos os intervenientes (que conversam directamente com Goldsmith, outra das vítimas do imperador), assombrando tudo e todos. Vai-se tornando evidente, a pouco e pouco, que a opulência dessa belíssima coroação que vemos com o segundo Trio para Piano de Schubert como música de fundo foi sustentada por centenas e centenas de atrocidades, que iam das prisões, das torturas e das execuções de rivais políticos à morte de crianças e até ao canibalismo. À medida que os testemunhos se acumulam e somos confrontados de forma crescente com as histórias de sobrevivência de filhos, esposas, antigos presidentes, jornalistas, advogados e cozinheiros, tendo-se já chegado ao cúmulo do insólito com o episódio em que Goldsmith aponta a um grupo de filhos de Bokassa o local em que o pai deles o espancou, falando-se já do mistério da alma africana que se revela nas alturas mais inesperadas, vê-se o jardim zoológico privado do imperador. Aí podíamos esperar tudo menos aquilo que acabamos por ver. Mencionam-se os crocodilos e os leões que levavam a cabo algumas das execuções ordenadas por Bokassa, mas não os vemos, há apenas jaulas abandonadas e ruínas do que outrora fora o seu esplendor. Goldsmith fica curioso com um chimpanzé e o responsável pelo zoo leva-o até lá. Pede um cigarro ao jornalista, mas nem o sabe acender. Mas dá-o ao chimpanzé. Sem palavras que o digam abertamente, apenas uma reacção de incredulidade e insuportabilidade, é essa imagem que passa a significar o horror desse império de sangue. Fazer com que um animal tenha os nossos vícios, transformar a natureza numa câmara de tortura para seres humanos e animais, usar a amoralidade dos inocentes para justificar a imoralidade, a máquina do mal de Bokassa condensada num único gesto de um homem que esteve ao seu serviço e deve ter feito isso mil vezes sem pensar quando seguia ordens e via ou condenava o próximo homem à morte.



domingo, 21 de julho de 2024

353ª sessão: dia 23 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


“Ecos de um Império Sombrio” para ver na biblioteca 
 
Durante o mês de Julho, o Lucky Star – Cineclube de Braga exibe mais seis filmes do cineasta alemão Werner Herzog, na continuação do ciclo que lhe dedicou o ano passado, também em parceria com o Goethe-Institut. Estas sessões realizam-se às terças-feiras às 21h30 no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 
 
Intitulado “E num breve instante, o sublime - seis filmes de Werner Herzog”, o ciclo continua terça-feira à noite com a exibição de Ecos de um Império Sombrio, longa-metragem de 1990 rodada entre Veneza, França e a República Centro-Africana sobre o império de Jean-Bédel Bokassa. 
 
Em 1977, o correspondente especial na República Centro-Africana Michael Goldsmith foi acusado de espionagem no seguimento de uma reportagem sobre a coroação do auto-proclamado imperador Jean-Bédel Bokassa, sendo posteriormente preso e torturado pelas suas forças. Treze anos depois, Goldsmith e Herzog seguem os rastos desse império do terror, falando com as esposas, os filhos, os advogados e outras vítimas de Bokassa. 
 
“Eu encontrei o Michael – que na altura era o chefe da filial africana da Associated Press – depois de ter lido alguns dos seus despachos publicados,” disse o cineasta alemão sobre Michael Goldsmith a Paul Cronin em Werner Herzog - A Guide for the Perplexed. “Não me lembro exactamente de onde o conheci pela primeira vez, mas tal como aqueles que atravessaram o Sáara, as pessoas que estiveram na República Centro-Africana durante o reino de Bokassa ou o caos do Congo encontram-se umas às outras de alguma forma."
 
“Eu não consigo explicar como é que estas pessoas se ligam,” continuava ele, “simplesmente nos reconhecemos uns aos outros. O Michael Goldsmith era diferente da maior parte dos jornalistas que conheci em África. Muitos eram arrivistas jovens ou alcoólicos envelhecidos e cínicos, mas o Michael exprimia uma certa atitude filosófica.” 
 
“Ele tinha reportado de todo o mundo durante décadas,” terminava, “e eu apreciava a sua visão sobre a vida. Soube que era a chave para contar a estória de Bokassa a partir do momento em que o encontrei e por isso é que sempre vi Ecos de um Império Sombrio mais como uma viagem a um pesadelo pessoal do que um documentário.” 

As sessões do cineclube ocorrem sempre às terças-feiras, às 21h30, e a entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do Lucky Star - Cineclube de Braga têm entrada livre.

Até Terça!

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Herz aus glas (1976) de Werner Herzog



por Duarte Carvalho

Este filme, em suma, é sobre o esforço de uma comunidade da Baviera e do dono da fábrica de vidro, Huttenbesitzer, de replicar o vidro característico - o “vidro rubi” - após a morte do único funcionário que o sabia reproduzir. A sua narrativa é acompanhada pela visão desobstruída do narrador presente Hias. 

As cenas iniciais do filme replicam muitas das temáticas do estilo romântico, em particular da pintura romântica, e até partilha semelhanças visuais. O maior paralelismo é com as obras de Caspar David Friedrich Der Wanderer über dem Nebelmeer, a observação e a admiração pela natureza - as nuvens, a água e a névoa são utilizados com grande efeito para elevar o que estamos a ver ao grau de místico, mítico e divino. O filme, além de se passar na Baviera Alemã, decorre durante o século XVIII no qual este estilo surgiu e influenciou todas as artes, à excepção do cinema que ainda não tinha surgido. Na música existe uma grande influência medieval e mantém-se o fenómeno romântico, destacando-se o yodelling inicial que nos introduz e nos insere no filme que, apesar de associado à Baviera, neste caso é suíço. 

No decorrer do filme existem várias falas com graus elevados de poesia e de importância. Destaco duas que, para mim, resumem a direção do filme e as suas influências. 

A primeira fala, quando alguns homens se encontram sozinhos a partilhar visões com o profeta Hias, “The time of giants is coming back”, alude à saudade da imaginação medieval, ou no caso de Werner, a um tempo mais campestre como o romântico; ao surgimento de indústrias maiores que destruiriam as mais pequenas, por meio da revolução industrial; e por fim às grandes guerras do séc. XX, que viriam a ser destrutivas para a Alemanha. Ao que Hias responde vendo mais longe, mais longe que o próprio espectador, “the giant was just the shadow of a dwarf” indicando que todos os eventos resultado de ações humanas são ultrapassáveis. E a segunda, quando confrontados com o provável fecho da fábrica, “Will the future see the necessary fall of factories just as we see the ruined fortress as a sign of inevitable change?”: mais uma vez a alusão aos fortes medievais e à lembrança dos valores do passado para enfrentar o futuro indicando a brevidade dos eventos presentes e futuros. 

O realizador, Werner Herzog, descreveu este filme como “slowest of the slow” e “strangest of the strange”, contudo revela que é “a child that is dear to me”, chegando a dizer o quão orgulhoso está deste filme, colocando-o num lugar especial na sua filmografia. 

Werner explica em várias instâncias que se baseou num livro de Herbert Achternbusch, sobre Mühlhiasl - um profeta/pastor alemão que é uma espécie de lenda, apesar de ter existido mesmo. Este deu origem à personagem Mathias ou Hias, o Nostradamus do séc. XVIII. 

Neste âmbito surgiu ao autor a imagem que propulsionou o filme, das cascatas a correr, e das nuvens que as imitavam formando rios no topo das montanhas, como no quadro de Friedrich. Estas imagens tinham inicialmente o objetivo de, quando auxiliadas com a música e o próprio Herzog a dar instruções, hipnotizar a audiência, coisa que não se concretizou pois o próprio reconheceu ser demasiado perigoso e irresponsável, bastando apenas os yoddles e as diferentes sequências de nuvens e água para introduzir os visualizadores à história. As sequências foram obtidas através de várias fotografias que, devido às limitações tecnológicas da altura, tiveram de ser tiradas a cada 2, 3 minutos manualmente, alterando a abertura da lente e as definições da máquina para manter a consistência da luz. No caso do rio de nuvens foram precisos 11 dias para as conseguir. Os momentos parecem difusos e o autor revelou terem sido gravados através de um tecido parecido com papel japonês. Para além da Baviera Alemã foram usadas gravações de paisagem na Irlanda, Yellowstone e Alaska, também presentes no fim. 

O aspeto mais único deste filme é a presença do hipnotismo durante todo o seu decorrer. Após estudo e o auxílio de um hipnotizador profissional (que depois foi dispensado porque o realizador já não o aguentava mais), Herzog hipnotizou todos os atores, menos Josef Bierbichler (Hias), em quase todo o filme. O hipnotismo deu origem a vários momentos interessantes no filme como por exemplo lutas de bar com sentimentos românticos exacerbados, que se tornam lentas e sem reação. Ou o aldeão que perante o momento mais conclusivo do filme, do grande fogo, não larga a mão das cartas porque segundo Herzog tinha 3 ases. No guião do filme foi dada larga amplitude aos atores para criarem novas falas porque, segundo o realizador, o hipnotismo não só não afeta a criatividade como a evidência. Em discussão com o escritor, foi decidido visualmente e através da interpretação que apenas Hias vê os eventos com clareza sendo o único “completamente consciente” para o presente. É um ser de outro plano que vê os acontecimentos de cima, onde a visão não está obstruída podendo ver a maiores distâncias. 

No final do filme, Hias, que veio ao centro da ação para pedir ajuda para matar um urso e tentar alterar os resultados, volta para o cume da montanha e mata o urso que descobrimos ser inexplicavelmente invisível. A inconclusão e a despreocupação do fim são propositadas e não têm em conta as teorias narrativas de “insipid film studies”. Dá à humanidade uma esperança ou o fim garantido, dependendo da perspectiva.



domingo, 14 de julho de 2024

352ª sessão: dia 16 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


“Coração de Gelo” de Herzog para ver na biblioteca 

Durante o mês de Julho, o Lucky Star – Cineclube de Braga exibe mais seis filmes do cineasta alemão Werner Herzog, na continuação do ciclo que lhe dedicou o ano passado, também em parceria com o Goethe-Institut. Estas sessões de cinema realizam-se às terças-feiras às 21h30 no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 

Intitulado “E num breve instante, o sublime - seis filmes de Werner Herzog”, o ciclo continua terça-feira à noite com a exibição de Coração de Gelo, de 1976, longa-metragem rodada maioritariamente na região da Baviera, a poucos quilómetros da aldeia natal do cineasta, Sachrang, e em locais dispersos nos Alpes, na Suíça, nos Estados Unidos e na Irlanda. 

A história ambienta-se no século XVIII, numa aldeia da Baviera. Uma fábrica de vidro soprado que produz um vidro rubi de ouro brilhante vê-se confrontada com a morte do portador dos segredos da sua fabricação, o mestre soprador. O dono da fábrica, um barão obcecado com esse rubi, que acredita ter poderes mágicos, enlouquece com a perda do segredo, junto com toda a população. Hias, um estranho das montanhas, desce à aldeia e profetiza a destruição da fábrica num incêndio. 

“A sequência final do filme deve ser a melhor coisa que eu já fiz,” disse Herzog sobre Coração de Gelo a Paul Cronin no livro de entrevistas Werner Herzog - A Guide for the Perplexed, publicado em 2014 pela Faber & Faber. “É tão poderosa que eu não consigo respirar quando a vejo. Nós filmámos em plena paisagem extática de Skellig Michael, um imenso bloco de pedra a alguns quilómetros da costa sudoeste da Irlanda.” 

“Ergue-se como uma pirâmide a mais de duzentos metros do Atlântico bravio,” continuava Herzog, “onde um grupo de monges construiu um pequeno mosteiro no século oito para poderem ter uma boa visão do apocalipse iminente. Os saqueadores nórdicos pilharam o local durante anos, atirando alguns dos monges para o mar e vendendo o resto como escravos.” 

“Só se consegue ir a Skellig com bom tempo, caso contrário é muito atacado pelo vento,” terminava ele, “as ondas chegam aos trinta metros e desabam na face da rocha. Não foi fácil conseguir os planos dos homens a remar por causa das ondas violentas e das chuvas torrenciais.” 

As sessões do cineclube ocorrem sempre às terças-feiras, às 21h30, e a entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do Lucky Star - Cineclube de Braga têm entrada livre.

Até Terça-Feira!

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Fata Morgana (1971) de Werner Herzog



por João Palhares

Morgana é uma feiticeira das lendas arturianas, normalmente estabelecida como meia-irmã do próprio Rei Artur, e em tempos recentes dotada de maior ambiguidade no seio da grande narrativa. Na sua nomenclatura italiana, “Fata Morgana” baptizou uma forma de miragem dita superior e que se deve a uma inversão térmica que distorce os objectos situados entre o observador e a linha do horizonte. O efeito pode-se ver em horizontes um pouco por todo o mundo, em oceanos, lagos e desertos em dias muito quentes, embora seja mais comum nas zonas polares. Suspeita-se hoje que as lendas e estórias à volta do famosíssimo navio fantasma, O Holandês Voador, condenado a navegar para sempre pelos sete mares depois de um encontro fatídico com o gigante Adamastor no Cabo das Tormentas, tenham tido origem nestas miragens. 

“Eu sabia que havia alguma coisa que precisava de filmar em África,” disse Werner Herzog a Paul Cronin sobre Fata Morgana em Werner Herzog: A Guide for the Perplexed, de 2014. “Para mim, essas paisagens primordiais e arquetípicas do deserto, repletas de destroços, parecem totalmente irreais, como se fossem de outro planeta; fascinavam-me desde a minha primeira visita ao continente. Mas Fata Morgana tornou-se rapidamente num suplício extremamente difícil, algo que contagiou o sentimento geral de Os anões também crescem de baixo, que foi feito quase imediatamente a seguir. Embora eu tenha sido cuidadoso em África, as coisas lá correram-me sempre mal. Eu não sou um daqueles tipos nostálgicos de Hemingway e do Kilimanjaro que persegue animais pelo mato com uma arma de grande calibre enquanto é ventilado pelos nativos. A África é um local que sempre me deixou nervoso, um sentimento do qual provavelmente nunca me serei capaz de livrar devido às minhas experiências lá enquanto jovem. Aquilo por que passei na rodagem de Fata Morgana não foi diferente em nada.” 
 
Dividido em três partes ou capítulos, “Criação”, “Paraíso” e “A Idade de Ouro”, o filme desenrola-se sob o signo das géneses, escolhendo como cenário o continente hoje destroçado e abandonado que nos viu nascer a todos, reclamando o Popul Vuh como influência e material de trabalho narrado por Lotte H. Eisner, inaugurando ainda uma corrente na obra de Herzog que será desenvolvida em Lições da Escuridão e The Wild Blue Yonder e desembocará na “Declaração do Minnesota” de 1999. Estendido como um ensaio ou um diário de viagem, com imagens captadas pelo preço de um aprisionamento e a contracção de bilharziose, contém belíssimos planos de uma catarata aparentemente sem fim por trás de uma folhagem densa, de uma aldeia que parece de miniatura até vermos uma mulher a percorrer um dos trilhos entre as cabanas, de uma bebé que sai dos destroços de um carro com muita calma e muito cuidado, de animais estranhos segurados de forma ainda mais estranha, de travellings de aldeias, planícies e destroços e ruínas a velocidades e distâncias variadas sobre carrinhas da Wolkswagen, pontuadas com música escolhida a dedo e que potencia as formas e as características que lhes decidamos conceder, de um casal de proxenetas que encontra consolo e redenção ao piano e à bateria com versões entoadas de sucessos tauromáquicos espanhóis num bordel em Lanzarote, de oito aviões a aterrar em sucessão sob distorções morganas provocadas pelo calor e das dunas enigmáticas do deserto, cujo encanto vem não se sabe bem de onde nem como. 

“Muitas das religiões, muito da matemática e muito do pensamento sério sobre a vida começou no deserto,” disse Cormac McCarthy, que situou tantos dos seus romances em paisagens desertas e áridas, a David Krakauer em 2022. “Há algo no deserto que faz as pessoas pensar nas coisas. Será verdade? Não sei, mas parece ser verdade.” Poderíamos certamente elaborar sobre a imaginação ao trabalho com os meios mais escassos e rudimentares, o amarelo como cor primária e primordial, o seu calor e a sua austeridade a formar o próprio carácter e a própria filosofia de vida das pessoas que o habitam, essa paisagem enigmática e encantatória onde imaginamos que caberão o início e o fim de todas as coisas. Mas o enigma mantém-se.



domingo, 7 de julho de 2024

351ª sessão: dia 9 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


“Fata Morgana” é a aposta do cineclube para esta semana 

Durante o mês de Julho, o Lucky Star – Cineclube de Braga vai exibir seis filmes do cineasta alemão Werner Herzog, em parceria com o Goethe-Institut. Estas sessões de cinema realizam-se às 21h30 no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 

O ciclo continua terça-feira à noite com a exibição de Fata Morgana, longa-metragem rodada em África no deserto do Sáara e que combina influências aparentemente tão díspares como o Popul Vuh, mito da criação Maia, ou Wolfgang Amadeus Mozart, Blind Faith e Leonard Cohen. 

O filme rodado ainda nos anos sessenta mas distribuído apenas em 1971, depois de uma ante-estreia em Cannes em 1970, é narrado por Lotte H. Eisner, Wolfgang Büchler e Manfred Eigendorf. Adopta o seu título de um tipo de miragem complexa que se vê muito nas regiões polares mas também em oceanos, lagos e desertos de qualquer parte do mundo em dias muito quentes. 

“Eu nunca procuro estórias para contar,” disse Herzog a Paul Cronin no livro de entrevistas A Guide for the Perplexed, publicado em 2014, “em vez disso elas assolam-me, e eu sabia que havia alguma coisa que precisava de filmar em África. Para mim, essas paisagens primordiais e arquetípicas do deserto, repletas de destroços, parecem totalmente irreais, como se fossem de outro planeta; fascinavam-me desde a minha primeira visita ao continente.” 

“Mas Fata Morgana tornou-se rapidamente num suplício extremamente difícil,” continuava o alemão, “algo que contagiou o sentimento geral de Os anões também crescem de baixo, que foi feito quase imediatamente a seguir. Embora eu tenha sido cuidadoso em África, as coisas lá correram-me sempre mal.” 

“Eu não sou um daqueles tipos nostálgicos de Hemingway e do Kilimanjaro que persegue animais pelo mato com uma arma de grande calibre enquanto é ventilado pelos nativos,” terminava ele. “A África é um local que sempre me deixou nervoso, um sentimento do qual provavelmente nunca me serei capaz de livrar devido às minhas experiências lá enquanto jovem. Aquilo por que passei na rodagem de Fata Morgana não foi diferente em nada.” 

As sessões do cineclube ocorrem sempre às terças-feiras, às 21h30, e a entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do Lucky Star - Cineclube de Braga têm entrada livre.

Até Terça!

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Land des Schweigens und der Dunkelheit (1971) de Werner Herzog



por António Cruz Mendes

No país do silêncio e da obscuridade, coloca-nos perguntas simples, mas desafiantes: Como é que um cego-surdo pode distinguir a noite do dia? Como se educa uma criança que nasceu assim a ter horas regulares de dormir e estar acordado? O que se passa no seu mundo interior? Como comunicar com ela? 

Personagens singulares e marginais, situações de estranheza e incomunicabilidade, são temas recorrentes na filmografia de Herzog. Já vimos aqui, no cineclube, filmes seus que nos falam de viagens fantásticas a regiões isoladas. Recordo, como exemplo, Aguirre, a cólera de Deus. Também aqui é de uma viagem que se trata, uma viagem a um “país” para nós desconhecido, onde reina “o silêncio e a obscuridade”. 

Fini Straubinger é a nossa guia na descoberta desse mundo assombroso. Por ela, ficamos a saber que a surdez não significa necessariamente silêncio. No seu caso, é antes “um som constante que vai de um gentil zumbido, passa pelo som de coisas quebrando e pode ir até um zumbido muito alto e constante”. Da mesma forma, a cegueira não tem que ser a escuridão total. Ela vê “todo o tipo de cores, preto, cinza, branco, azul, verde, amarelo...” 

Fini leva-nos a conhecer outras pessoas como ela. São como ilhas de um grande arquipélago, o seu grande inimigo é o isolamento. Conta-nos ela que não pode evitar um estremecimento sempre que é tocada e, quando esse contacto cessa, parece que a pessoa que a tocou se afastou para muitíssimo longe. 

A dada altura, as suas viagens levam-na ao encontro de um jovem cego e surdo que cresceu apenas com a companhia do pai e nunca aprendeu a falar. Estamos próximos de um ser humano reduzido a uma condição extremamente primitiva, o que nos traz à memória O Enigma de Kaspar Hauser, um outro filme de Herzog que nos fala de um jovem que viveu encarcerado até à idade de 16 anos, sem saber falar e sem quaisquer contactos sociais. 

Nestas condições, a luta contra a solidão apresenta-se como uma condição da humanidade. O tacto é o único meio de que os cegos-surdos dispõem para conhecer o mundo que os rodeia e é necessário explorá-lo maximamente. No filme repetem-se os grandes planos das mãos. É uma linguagem táctil que lhes permite “falar” e podemos seguir os seus caminhos de descoberta nas visitas que fazem a um jardim zoológico ou a um jardim botânico, tocando, fascinados, em animais e plantas desconhecidas. Trata-se de uma aventura onde, por momentos, ensaiam sair da bolha onde se encontram confinados. Ou, como nos diz a senhora que, numa reunião de cegos-surdos onde se fortalecem relações de amizade, se levanta para dizer um poema, “a mais bela das artes”. É esse o título do poema da sua autoria e que ela recita em voz alta: 

“Satisfeito, carregando a tarefa mais sagrada / Renunciando de uma nobre maneira ao seu desejo pessoal / Vivendo na escuridão do sol, mas brilhando como uma estrela. / Isso é uma arte que apenas alguém cuja alma foi moldada no paraíso pode entender”.



segunda-feira, 1 de julho de 2024

350ª sessão: dia 2 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


Lançamento na Centésima Página e sessão na biblioteca 

Durante o mês de Julho, o Lucky Star – Cineclube de Braga vai exibir seis filmes do cineasta alemão Werner Herzog, na continuação do ciclo que lhe dedicou o ano passado, também em parceria com o Goethe-Institut. As sessões realizam-se às 21h30 no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 

Intitulado “E num breve instante, o sublime - seis filmes de Werner Herzog”, o ciclo inicia-se amanhã com a exibição de No País do Silêncio e da Obscuridade, filme centrado na activista alemã Fini Straubinger, cega desde a infância e surda desde a adolescência. A sessão será apresentada por Carlos Vaz Marques, que também apresentará o livro O Crepúsculo do Mundo de Herzog no mesmo dia às 18h na Livraria Centésima Página. 

Editado pela Livros Zigurate, dirigida precisamente por Carlos Vaz Marques, O Crepúsculo do Mundo é sobre Hiroo Onoda, um tenente japonês que esteve convencido durante trinta anos de que a rendição do seu país no final da Segunda Guerra Mundial era uma mentira do inimigo. 

Sobre Onoda, Herzog disse ao jornal The Guardian que “o que me espantou foi a sua dignidade, determinação serena e compreensão do mundo. Quando voltou ao Japão, ele ficou chocado que se tivesse tornado num país de consumismo, que, nas suas palavras, tinha “perdido a alma”. Deixou o Japão e fundou um rancho com gado no Brasil. Não sei o que é que achava de mim mas ele quis continuar o nosso contacto. Fico fascinado pela forma como, no final da sua estória, a linguagem se desintegra e dissolve enquanto a existência na ilha se torna insignificante.” 

“Eu fiquei imediatamente fascinado com a Fini,” disse Herzog a Paul Cronin sobre Fini Straubinger. “Em criança aos nove anos ela tinha caído de umas escadas e bateu violentamente com a cabeça, mas como estava preocupada que a mãe ficasse zangada, manteve-se calada e sentiu-se doente durante meses. O médico pensou que era por estar a crescer, mas depois de um ou dois anos ficou cega, depois aos dezanove ficou surda.” 

“Para ela, a história parou por volta de 1920,” continua, “porque tinha vivido durante tantos anos rodeada de freiras piedosas num convento e falava um alemão anacrónico do século anterior. O dia em que vi a Fini pela primeira vez foi o dia em que decidi fazer um filme sobre ela.” 

As sessões do cineclube ocorrem sempre às terças, às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da BLCS e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre.

Até Terça-Feira!