quarta-feira, 9 de outubro de 2019

145ª sessão: dia 10 de Outubro (Quinta-Feira), às 21h30


Sem o Kiarostami inaugural, o passeio transformador de Juliette Binoche e William Shimell em Copie Conforme, ficamos com o Kiarostami de Like Someone in Love. Fábula urbana passada no Japão entre uma estudante com vida dupla, o namorado agressivo e desconfiado dela e um senhor cujo único pecado talvez tenha sido ouvir música a mais, é a nossa próxima sessão na Casa do Professor.

Em entrevista ao Notebook, e quando lhe falaram do primeiro plano do filme, Abbas Kiarostami disse que "tanto com a sequência final como com a sequência de abertura, mesmo depois do processo de escrita e durante todo a rodagem, fiquei realmente a pensar se eram apropriadas. “Apropriadas” não quer dizer que não sejam apenas boas—porque eu tinha a certeza de que eram uma boa forma de abrir o filme, para o meu gosto—“apropriadas” significa se é aceitável para o público. Algo não invulgar em demasia para as pessoas perceberem ou seguirem. As aberturas são difíceis, dá para ver com os romances: se se for verificar as bibliotecas das pessoas vêem-se muitos livros cujas primeiras dez páginas foram lidas e as restantes estão novinhas em folha e intocadas. Portanto as aberturas são difíceis, muitas vezes as pessoas saem depois do início porque ficam desconcertadas e não conseguem aderir à coisa. Finalmente decidi fazê-lo, embora soubesse que podia ser difícil e se algumas pessoas como vocês pudessem gostar e achar uma boa forma de começar o filme, outras podiam-se sentir desconfortáveis durante o filme todo por causa da forma como começava. Mas mais uma vez, eu sabia que era fiel à realidade—a história já tinha começado. Quando se apanha uma conversa num café, as coisas começaram antes de se ouvir, e não sabemos para onde vamos e ainda temos de nos pôr a par com a realidade, e era assim que eu o espectador se sentisse. Mesmo para a mise en scène dessa sequência, sabia que à medida que ia, menos gostava de cortes, não gosto de sequências montadas em que a câmara aparece e procura a pessoa, a pessoa com quem é suposto a personagem estar a falar. Eles têm de vir para a câmara, não é suposto a câmara aparecer e encontrá-las. Portanto decidi ter esta cadeira [vazia] e ter o casaco do chulo na cadeira para sabermos que era esta a cadeira para onde as pessoas vinham. E as pessoas viriam umas atrás das outras para ter uma conversa com a personagem principal. Estava consciente desses aspectos todos, sabia que talvez fosse um pouco desconcertante; mais uma vez, é pouco comum. Mas acho que está certo para uma conversa e uma história que tinham começado antes de nós. Quando se está a ouvir, quando se está a ser indiscreto, não se pode pedir às pessoas para virem ter connosco e nos explicarem. Juntam-se as peças para perceber o que é que está a acontecer."

No seu blog, por alturas do lançamento do filme em Portugal, Carlos Melo Ferreira assumiu que "(...) devo sublinhar a ousadia de Abbas Kiarostami em não nos dar "mais do mesmo" e se reinventar contra as expectativas dos seus incondicionais admiradores. Na idade dele e com a obra que ele tem atrás de si, mudar de rumo e enveredar pelo inesperado, contra toda a sinalização deixada atrás de si, significa inconformismo e manter à distância os que, dando-o precipitadamente por acabado, lhe queriam erigir um monumento definitivo em vida. Contudo, e se bem nos lembrarmos e repararmos, ele foi sempre, mesmo na sua obra anterior a Dez/Ten (2002), um cineasta inquieto, em cujos filmes a pacificação, quando aparecia, era após um árduo percurso, como em Através das Oliveiras/Zire darakhatan zeyton (1994), o que em O Vento Levar-nos-á/Bad ma ra khahad bord (1999) já só acontecia de maneira muito problemática.

"Sei de quem tenha ficado decepcionado, o que compreendo mas não é o meu caso. Quanto menos previsível e menos feito a um lugar na história mais eu gosto dele e o aprecio. Não é de cineastas ou artistas pacificados que eu gosto, mas dos que se rebelam contra si próprios com novas propostas que não sabemos, como eles não sabem onde os vão conduzir. É com inconformismo consciente que um grande cineasta como Kiarostami se reinventa e do mesmo passo reinventa o cinema."

Já o saudoso Pierre Rissient, em 2012, escreveu que "sem dúvida, havia uma sensação subjacente de depravação corrosiva que vinha à tona em Copie Conforme e me apanhou de surpresa. Eu tinha a certeza de que já tinha um bom entendimento do trabalho deste cineasta com quem tenho tido a sorte de me cruzar tantas vezes nos últimos 25 anos. Portanto não estava à espera que o seu último filme fizesse aumentar a opinião já elevada que tinha do seu trabalho. Algumas pessoas gostam de achar que podem descrever e arrumar os seus filmes como ‘modernismo pseudo-simplista’. Mas os filmes de Abbas nunca deixaram de surpreender e agora aqui, não pela primeira vez, eis uma nova chamada de atenção, para mim, e tenho a certeza que para muitos outros. Com este filme, Abbas leva o seu cinema para outra dimensão. 

"Like Someone In Love disseca o próprio espírito dos seres humanos, sonda os seus sentimentos mais privados, sentimentos que nem eles conhecem e que revelam o destino que toma conta de cada um deles de forma inextricável. Um destino que os parece ter levado a todos na mesma onda de alta rotação, antes de os cuspir a todos, nus e gelados. Eu já tinha sentido estas marés de emoção quando lia as páginas de Alfred Hayes. As palavras dele conseguiam-me absorver, levar-me com elas e deixar-me desnorteado. Assustavam-me, e quanto mais era tomado pelo medo, mais lúcido ficava. Também devia mencionar a luz negra com que Carco pensava conseguir espectrografar a vida interior das suas personagens e a vida em torno delas."

Até Quinta!

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