domingo, 20 de outubro de 2019

148ª sessão: dia 22 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Esta semana, regressamos à escrita de Marguerite Duras depois de Hiroshima, meu Amor, aqui também na faceta de realizadora, e com os companheiros de sempre: Jeanne Moreau, Gérard Depardieu, Luc Moullet, Benoît Jacquot ou Bruno Noytten. Nathalie Granger, quarto filme de Duras, é então a nossa próxima sessão no auditório da Casa do Professor.

Numa entrevista a Leopoldina Pallotta della Torre publicada em La Passione sospesa (1989), e sobre o filme, Marguerite Duras disse que “eu adorava a ideia de trabalhar com duas grandes estrelas, invertendo o cliché e mostrando os corpos delas de trás, ou as mãos delas, sem me demorar nas pernas, nos rostos e nos seios delas.

"Queria fazer um filme que respeitasse o ritmo da mulher, sem apelar à feminidade habitual, tão desgastada. Tenho belas recordações deste acordo entre mulheres, elas as duas e eu.

Quanto a Jeanne*, desde a época de Moderato cantabile que me apercebi da inteligência extraordinária do olhar dela, com a seriedade com que interiorizava os seus papéis. Enquanto rodava com Brook, vinha constantemente a minha casa para me pedir informações sobre a vida de Anne Desbaresdes, que eu própria era obrigada a inventar no momento para a contentar.

*Duras também dedica a Jeanne Moreau um artigo-entrevista na Vogue, em 1965, republicado em Outside. Lembre-se que Moreau é também a intérprete de Marin de Gibraltar (1967), que gravou um disco inspirado em India Song e que interpretou Marguerite Duras no filme baseado em Cet amour-là (1999) de Yann Andréa, por Josée Dayan (2001).

"A Jeanne é muito parecida comigo: ambas tínhamos sido atravessadas pela força de um amor durante a nossa vida toda. Não necessariamente de um amor que já existisse, mas por qualquer coisa que ainda lá não estava, que ia chegar ou acabar."

O ano passado, Bruno Noytten, director de fotografia de Marguerite Duras e também de Jean-Luc Godard, disse a Anne Diatkine que "eu aprendi tudo o que sabia com a Marguerite. Como filmar, como iluminar, como enquadrar, como viver. Rodámos cinco filmes juntos e a nossa grande aventura foi India Song. Passei toda a minha carreira como director de fotografia a procurar o mesmo prazer que experimentei nesse filme, mas em vão. A Marguerite dizia-me o que queria nas suas palavras, e tentava oferecê-lo com os meios técnicos que tinha à minha disposição. Não haviam ideias pré-concebidas sobre o que era possível fazer ou não fazer. A simplicidade dela era excitante. Estava ao lado dela atrás das câmaras, e era levado pelas suas palavras, ouvia-a comentar sobre o que estava a ver, e passava a vê-lo pelos olhos dela. 

"Em India Song, a proposta de Marguerite foi magnífica: “Transporta-me para outro lugar.” Estávamos dentro de uma das casas abandonadas há muito tempo pelos Rothschilds em Bolonha, e a Marguerite decidiu depressa que toda a casa lhe pertencia. Claro que não éramos nós que a estávamos a levar numa viagem, era ela que nos estava a transportar para outro lugar. Em termos de imagem, estar na Índia significava desfigurar o real para o poder transfigurar, mas não foi esse gesto técnico que me impressionou. Em vez disso, foi a felicidade de Marguerite em fazer essa viagem. Antes, tinha havido Nathalie Granger, que foi o primeiro filme importante de Depardieu, o primeiro em que tinha tido um grande papel. Duras estava bem ciente do poder de Depardieu, tinha tentado minimizar os seus efeitos escondendo-o de nós. Quando o vimos pela primeira vez, estávamos a rodar e ele estava a andar para a frente da câmara. A coisa bonita é que ele também tinha medo, sentia-se intimidado por Jeanne Moreau e Marguerite. Nunca vi ninguém a dar essa impressão numa rodagem. Com ele virado para a câmara, não podia haver dúvida de que se estava na presença de um monumento."

Para a televisão francesa, em 1973, a grande Jeanne Moreau tomou a palavra e afirmou que "então, o que vos posso dizer e o que sei sobre o filme é que o rodámos em muito pouco tempo, rodámo-lo numa semana em casa da Marguerite Duras, e havia um argumento muito conciso. Depois de rodarmos o filme, a Marguerite Duras escreveu um argumento definitivo, que vai ser editado, e que se chamava realmente Nathalie Granger ou la chambre des femmes. E nessa casa - de mulheres - há duas mulheres, Elizabeth Granger, que é interpretada por Lucia Bosé, e eu sou a amiga. Como sempre na amizade, é-se o duplo ou o reflexo, percebem?

"Bom, a personagem de Lucia Bosé é a mãe de Nathalie Granger e o momento particular em que o filme se desenrola é um drama, porque a menina até esta altura estava na escola, tinha estudado piano, tinha sido rejeitada de todas as várias escolas em que esteve e era sujeita a uma enorme tensão. E essa criança é uma criança difícil, e sabem a importância primordial que tem a maternidade na obra de Marguerite Duras, portanto isso cria uma crise absolutamente terrível na mãe. E a amiga partilha-a, mas nunca se partilham completamente as dores físicas e morais das pessoas, mesmo que as amemos ternamente. Só as podemos tentar seguir, e nesse caso somos espectadores. E contrariamente a muitos filmes, em que geralmente se tenta dominar o tempo - ou seja, deixa-se durar o tempo num filme de uma hora e meia ou duas horas, no máximo quatro, como nos filmes de Eustache, mas aqui, como é um período de crise, e deve ter acontecido a muita gente que aqui está, quando sofre mesmo na pele, tem-se a impressão de que o tempo nunca passa. E é um bocado o que acontece neste filme."

Até Terça-Feira!

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