segunda-feira, 14 de outubro de 2019

146ª sessão: dia 15 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Para o início desta semana voltamos atrás no tempo até à sexta realização de Ingmar Bergman, considerada por muitos como o primeiro grande trabalho de fôlego do realizador. Sobre um realizador de cinema a quem é proposto, por um antigo professor saído recentemente de um hospício, fazer um filme sobre a realidade do inferno na terra, Prisão, de 1949, é a nossa próxima sessão na Casa do Professor.

Em Bilder, e sobre a génese deste filme, Bergman escreveu que "durante o Verão anterior eu tinha escrito a história de Birgitta Carolina na forma de um conto longo com o título de "História Verdadeira", aludindo a um género muito popular nas revistas semanais da altura que se chamava 'histórias verdadeiras da vida'. Eu queria que a minha história fosse assim: com balanços inibidos entre o sentimentalismo descarado e os sentimentos genuínos. Estava extremamente satisfeito com o título do filme, achando-o adequadamente irónico. Mas o meu produtor, Lorens Marmstedt, que sabia tudo o que havia para saber sobre o público de cinema sueco, disse que as pessoas não percebiam a ironia; iam só ficar zangados como o diabo. Pediu-me para arranjar outro título. Primeiro, pensei em A Prisão e depois Prison, simplesmente, que era típico dos anos 40 e, na verdade, um título muito pior do que História Verdadeira.

"Quando entreguei o argumento a Lorens Marmstedt, hesitei, e disse qualquer coisa como, "Não te tens de incomodar com isto. Mas se a dada altura tiveres tempo e disposição, dá uma vista de olhos". Nem sequer dei uma oportunidade à Svensk Filmindustri para o ter em consideração, percebendo totalmente que seria inútil. Dois dias depois, Lorens telefonou-me e disse na sua forma evasiva, "Muito tocante... Não sei... talvez... no fim de contas. Tocante, mas não comovente! Não se consegue dizer. Talvez? Quão rápido consegues trabalhar?". "Dezoito dias. Menos que dezoito dias, não", disse eu. Depois discutimos actores, e ele foi ligando e disse a cada um deles, "Não conte receber o seu salário normal porque isto é um filme artístico e tem de se sacrificar alguma coisa pela Arte!" Eu próprio não recebi um tostão, só 10 por cento dos lucros. Nunca houve quaisquer lucros!"

No seu blog, o amigo Sérgio Alpendre diz que "num dos momentos brilhantes da mise en scène bergmaniana, estamos num set de filmagem e prepara-se uma cena que mostra um casal conversando dentro de um barco e no meio de um lago. Só que eles estão num estúdio, a água é retro-projetada e o reflexo no rosto deles é dado por um pequeno rebatedor. Quando o diretor diz ação, a câmera do filme se movimenta para a frente até se confundir com a câmera do filme dentro do filme, e o que temos é o processo inverso do que faria Jerry Lewis anos depois em The Ladies Man e The Patsy: Bergman começa nos entregando a mentira, o artificialismo do estúdio, para terminar com o fruto dessa mentira, tornado verdade pela representação cinematográfica. O filme dentro do filme se transforma no filme, e o que vemos é o mesmo que verá esse hipotético espectador do filme que estão fazendo. 

"É brilhante, mas também é um sinal de que Bergman tem plena consciência de que a grande força de Prisão é esse embaralhamento de instâncias. Embaralhamento reforçado, no mesmo sentido, na cena em que Birgitta observa a conversa de um outro casal da escada da pensão onde mora. Graças a um falseamento do cenário, Bergman nos mostra que ela acompanha a conversa de um lugar privilegiado, quase um camarote de um teatro, enquanto o casal não percebe que ela continua ali. Ou não pode ver, já que nesse momento Birgitta deixa de ser personagem para ser também uma espectadora, e volta a ser personagem quando o plano acaba, ela vira o rosto na nossa direção e o foco de luz surge para percebermos sua expressão desolada."

Já Robin Wood, menos generoso no seu livro de 1969 sobre o cineasta, acha que "Prisão é um filme empolado e entediante invalidado no fim das contas pela tendência para inflacionar uma neurose pessoal numa Visão de Vida. A sua tese explícita é a de que a vida na terra já é o Inferno, que o diabo comanda. Mas tudo o que se pode deduzir a partir das provas que apresenta é que algumas pessoas são muito sujas e outras muito ineficazes. Nesta fase do seu desenvolvimento, Bergman estava demasiado preso às suas obsessões para ser capaz de uma compreensão genuína das personagens e situações a que dão origem. No entanto, a intensidade da expressão que as obsessões produzem é já impressionante e pessoal. Prisão parece o trabalho de um estudante talentoso e tecnicamente muito precoce a quem foi concedido o tipo de recursos com que os estudantes sonham mas raramente têm: tecnicamente, é um trabalho muito ambicioso e elegante.

"As pretensões do filme são sugeridas de forma clara e bastante desarmante pelo famoso pastiche de comédia muda - o filme que Birger Malmsten e Doris Svedlund projectam para si próprios durante o seu breve período de felicidade sentenciada num sótão. (é citado um fragmento em Persona.) Tem uma função dupla: por um lado, é a ocasião para um momento partilhado de relaxamento e divertimento inocente enquanto as duas pessoas são retiradas de si próprias e das suas respectivas "prisões"; por outro, e paradoxalmente, o filme resume a ideia da vida-como-inferno numa forma burlesca esquemática. Se a minha memória de dez anos está correcta (tendo desaparecido inexplicavelmente tudo menos o início do pastiche da cópia de 16 mm disponível na Grã-Bretanha), a sequência mostra actos burlescos característicos de agressão mútua e de superação febris, até aparecer a morte na figura de um esqueleto e derrotar toda a gene. A ideia é original e arrojada, mas falha por duas razões: 1) Assim que se percebe o objectivo da sequência-pastiche, a sua inclusão parece irritantemente arbitrária e intrusiva. Bergman resolveria o problema de forma brilhante, depois, com o número dos Palhaços em Noite dos Saltimbancos e a canção dos bobos sobre "O Preto na Costa" que acompanha a sedução mútua de Skat e Lisa em O Sétimo Selo, ambas das quais têm uma função igualmente simbólica ao mesmo tempo que surgem naturalmente da acção dramática. 2) Dada a desproporção e o artifício do contexto em que nasce, as pretensões generalizantes da sequência tornam-se inaceitáveis. A asserção de que a vida é insuportavelmente dolorosa é uma a que Bergman regressou posteriormente; mas é uma coisa no contexto de Persona, outra bem diferente no contexto de Prisão."

Até Terça-Feira!

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