segunda-feira, 28 de outubro de 2019

149ª sessão: dia 29 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Chegados à última semana deste nosso ciclo, com mais contratempos do que é habitual (e por isso pedimos desde já desculpa),  mostraremos em sessão dupla as estórias de imigrantes de Charles Chaplin e James Gray, separadas entre si por quase cem anos, embora a acção do filme de Gray se situe no início do século passado. Assim, O Emigrante (1917) e A Emigrante (2013) serão a nossa próxima sessão.

Em entrevista a Joey Magidson em 2015, e sobre a noção de "antiquado" em relação à sua obra, o realizador diz que "antiquado é algo que tem sido aplicado ao meu trabalho em certas ocasiões, e isso sempre me interessou! Não sei como hei-de levar a coisa, porque a ideia de que algo é antiquado pode ser muito gratificante mas ao mesmo tempo também pode parecer ossificado. Eu acho, e percebo o que está a dizer, claro, mas a ideia de uma história simples contada com elegância e emoção (eu tinha elogiado A Emigrante ao chamá-lo de antiquado e história simples contada com elegância e emoção, daí o seu regresso ao tema e a propulsão desta resposta) é a coisa mais difícil de se fazer. Se alguma vez conseguir chegar perto de alcançar isso, então era mesmo uma pessoa feliz. É muito fácil distrair o público com pirotecnia cinematográfica.

"Sabem que disse muitas vezes a pessoas que conheço ou a estudantes com quem falo quando vou a universidades e tal, quando me perguntam o que é o mais difícil… para mim, o que Francis Coppola fez com O Padrinho é a coisa mais difícil que se pode fazer, porque tem três horas e são personagens e narrativas puras. Em O Padrinho, não há mesmo qualquer pirotecnia. Agora, está incrivelmente bem feito e há lá beleza, é feito de forma brilhante, mas não é como se a câmara estivesse a fazer movimentos de 360 graus com gruas. Sobrevive totalmente com o poder da sua história e do seu conceito, e é impossível fazer isso."

Na sua crítica ao filme para a Revista Interlúdio, Sérgio Alpendre escreveu que "no filme, as pessoas são más por circunstância. Todos têm maldade no coração (todos temos, devo dizer, pois desconfio dos santos). É uma determinada circunstância que faz aflorar a maldade. Bruno diz, em certo momento, que todos são maus, ao contrário do que Ewa pensa, ou do que ele pensa que ela pensa. Porque Ewa nem mesmo pensava isso, embora de acordo com os personagens do filme ela teria razões para assim pensar. Ela se aproxima de Emil (Jeremy Renner), um galanteador picareta, encrenqueiro e de modos duvidosos. Mas nada nos diz que Emil é realmente mau. Nem mesmo quando aponta uma arma para a cabeça de Bruno, numa brincadeira que lhe custa a vida. James Gray, aliás, brinca também com nossa expectativa, pois havíamos visto Emil tirando as balas da arma, mas ficamos em dúvida se ele teria colocado enquanto esperava no quarto ou não. 

"E de dúvida somos alimentados o filme inteiro. Algumas se resolvem, outras, não. Dúvida se a irmã está mesmo sendo bem tratada no hospital da imigração; se Bruno viu que Ewa pegou o dinheiro do chapéu; se os guardas da imigração são confiáveis ou realmente subornáveis; se a mulher polonesa que fala sobre o desprezo das autoridades americanas em relação aos que esperam a deportação assim o diz com sinceridade ou apenas como um sinal de seu desespero para sair dali, se Ewa se interessa mesmo por Emil, até mesmo se ela havia sido realmente estuprada no navio que a levara até Nova York."

Sobre o filme de Chaplin, Jacques Lourcelles diz no Dictionnaire tratar-se do "Penúltimo dos doze filmes de Chaplin para a Mutual (Chaplin rodou-os ao ritmo de um por mês e este período de actividade febril é aquele em que mais progrediu no sentido da maturidade e da descoberta do seu próprio génio). Numa duração ainda bastante limitada, a dramaturgia, o conteúdo da história e a pluralidade das formas de comédia tendem visivelmente a aqui se tornarem as de uma longa metragem. É toda uma aventura rica em desenvolvimentos que Charlot vive em O Emigrante, e também é um drama. Como nota Jean Mitry (in «Tout Chaplin», Seghers, 1972), a partir deste filme «o cómico só toma – e passará a fazê-lo sempre daí em diante – como seus sustentáculos as situações trágicas». Ainda que relativamente discreto na economia geral da história, o estudo do ambiente (descrições dos emigrantes do barco) é, no entanto, como era já o caso em vários outros Mutual, um dos pontos altos do filme. Tem agudeza, realismo e uma espécie de ferocidade que dá o seu relevo particular aos seres e às coisas e também corresponde a uma condenação implícita da passividade na qual as personagens, dada a sua situação de párias, se poderiam afundar. Esta seria, aos olhos do autor, a pior derrota. Porque Chaplin, ainda mais que um criador de melodramas e um pintor da desgraça humana, é um professor de energia e de revolta. Nele, frequentemente, a ferocidade não é mais que uma piedade invertida intencionalmente, uma exortação premente para lutar. 

"N.B. No primeiro dos três programas de televisão de Kevin Brownlow, «Unknown Chaplin», encontra-se um material muito importante de «tiras» e tomadas não usadas de O Emigrante. Permite seguir a génese do filme de uma maneira minuciosa e absolutamente deslumbrante, criando-se por assim dizer debaixo dos nossos olhos. Ao princípio tratava-se apenas de uma pequena comédia situada unicamente no restaurante. Durante a rodagem, Chaplin imaginou juntar as cenas do barco, dando assim à obra a sua dimensão de mini-fresco social, dramático e documental. Ele substituiu, no papel do empregado agressivo, Henry Bergman por Eric Campbell (que dá então uma das suas melhores composições com Chaplin). Alteração espectacular de que podemos medir o intervalo através das cenas interpretadas alternadamente por um e pelo outro actor. Este documento admirável é ao mesmo tempo um curso de mise en scène e uma descrição magistral de um génio ao trabalho. De passagem, são reveladas duas trucagens relativas às cenas do barco: os balanços do convés foram obtidos graças à adição de um grande pêndulo fixado sob a câmara, animada assim por um movimento pendular; quanto ao cenário da sala das refeições, foi colocado sobre cilindros. 

"BIBLIO: decupagem (133 planos) in «L'Avant-Scène» nº219-220 (1979)."

Até Terça-Feira!

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