por João Palhares
Werner Herzog interessou-se pela caverna de Chauvet através de um artigo de Judith Thurman, «First Impressions», escrito para a New Yorker em 2008. Esse grupo de túneis e grutas no sul de França deve o seu nome a Jean-Marie Chauvet, um dos três espeleologistas que o descobriram em Dezembro de 1994. No seu interior estão as pinturas rupestres mais antigas do mundo que, graças a um deslizamento de terra que vedou a entrada principal, se mantêm num estado de conservação pouquíssimo habitual para o que é esperado para este tipo de achados arqueológicos. Herzog teve acesso limitado ao local (quatro horas por dia, durante seis dias) e, apesar de não o irmos ver dessa forma, decidiu filmar o documentário em 3-D. “O 3-D era imperativo,” disse ele à revista Archaeology, “porque eu ao início pensava que havia paredes e pinturas planas na caverna. Mas não havia áreas planas. O drama dos arqueamentos e das cavidades foi mesmo utilizado pelos artistas. Fizeram-no com uma habilidade fenomenal, com grande habilidade artística, e havia algo de expressivo nisso, um drama de rocha transformado e utilizado no drama das pinturas. É por isso que era imperativo filmar em 3-D.”
Com esse tempo e essa decisão tomada, além de questões de acesso e limitações de movimento explicadas no próprio documentário, muito do material de filmagem teve que ser improvisado no sítio. “Levamos connosco o equipamento espelhado tosco fornecido pela British Technical Films,” escreveu o director de fotografia Peter Zeitlinger[1]. “Tinha sido utilizado antes em vários anúncios em condições de estúdio. Depois de apenas alguns metros no interior da gruta decidimos deixá-lo para trás, porque não era possível encaixá-lo pelo túnel estreito.
“Uma vez que só tínhamos umas horas para rodar o filme todo tivemos que rodar fosse como fosse. O Werner disse, "Pega em fita adesiva e cola ou qualquer coisa do género. Põe as câmaras lado a lado e vamos a isso.” “Consegui construir uma macro-extensão com um rolo de papel higiénico numa tenda no Antárctico para filmar dentro de um microscópio científico,” respondi eu, “mas devíamos voltar e tentar no dia que vem.”
“Passado um momento, o Werner passou-me dois suportes de braços mágicos para a câmara. "Não consegues usar isto?" Arranquei as câmaras do equipamento espelhado e fixei-as lado a lado nos braços mágicos. 10 minutos depois começámos a rodar as pinturas secretas da caverna. Filmei da anca sem visor. Passámos por cima do alinhamento complicado das câmaras 3-D e resolvemos o assunto à noite em Cineform (Software).”
É possível que o 3-D acrescente muito a esta Gruta dos Sonhos Perdidos, até porque foi assumidamente a única e última vez que o realizador de Aguirre e Fitzcarraldo rodou nesse formato, para mostrar ao mundo uma caverna totalmente inacessível ao público em geral e para respeitar os traços de movimento pensados pelos nossos antepassados mais remotos, os jogos entre superfícies e protuberâncias, as camadas sobrepostas de pintura ou as sombras primordiais que nos levam a Fred Astaire mas também a Platão, só que a beleza e o deslumbramento também passam na versão mais reproduzida que vamos ver. Não é nada comum ver um filme dos nossos tempos que nos garanta que ainda não sabemos tudo, que há um mundo a ser desbravado e que precisa de pessoas para o desbravar, que nos traga de volta a aventura, a descoberta e o maravilhamento, e que proponha timidamente que a meta e o fim da estrada estão no princípio de todas as coisas. Ou que para sair da caverna talvez tenhamos que lá entrar.
[1] in «3D in the 21st Century. On Shooting Cave of Forgotten Dreams», 2 de Maio de 2015, Notebook, MUBI.
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