segunda-feira, 4 de outubro de 2021

205ª sessão: dia 5 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Neste mês de Outubro, o Lucky Star volta a associar-se aos Encontros da Imagem e promove um ciclo de cinema subordinado ao tema "Génesis 2:1". Serão quatro semanas com sessões todas as terças e quartas-feiras. À terça na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva (BLCS) e à quarta no gnration, sempre às 21:30. Já esta terça, dia 5, exibimos O Crime do Sr. Lange, a nossa próxima sessão no auditório da BLCS.

Em Jean Renoir vous parle de son art, em depoimento posteriormente transcrito e publicado em Jean Renoir: entretiens et propos e traduzido para português por Júlio Bezerra para o catálogo do Centro Cultural Banco do Brasil, A vida lá fora: O cinema de Jean Renoir, o realizador francês admitiu que "O crime do Sr. Lange, é, acima de tudo, uma bela colaboração com Jacques Prévert. Não começamos a trabalhar juntos no filme. Inicialmente, comecei com um amigo chamado Castanier, e nós escrevemos uma história que não era ruim, eu acho, e algum produtor tinha decidido filmar. Mas, ainda assim, não estávamos muito seguros de nós mesmos e eu tive a ideia de pedir gentilmente a um amigo que desse uma breve olhada em nosso trabalho; este amigo era Jacques Prévert. E Jacques Prévert trabalhou o filme comigo, e algo muito diferente acabou saindo. Isso não quer dizer que este filme tenha sido escrito com antecedência – isso não aconteceu muitas vezes na história dos meus filmes, de ter um roteiro que segue exatamente tal como escrito, talvez nunca tenha de fato acontecido. Em O crime do Sr. Lange aconteceu o que acontece com frequência comigo. Nós temos um roteiro muito bem escrito. Nós o sabemos e dizemos a nós mesmos: “Oh, podemos filmá-lo”. E então chegamos ao set. Ensaiamos os atores e vemos que algo não funciona ou que existem formas de vida mais próximas do espírito desses atores, mais próximas dos figurantes, do cenário, do que se passa ao redor. Não foi diferente com O crime do Sr. Lange. Perguntei a Prévert se ele gostaria de ficar comigo no set todos os dias. Prévert foi muito gentil e concordou. Ele não gostava muito de acordar cedo, mas mesmo assim esteve comigo em todas as fases da filmagem. E muito do diálogo do filme, por vezes extremamente brilhante, foi elaborado através desta colaboração e com esta improvisação. Há um exemplo sobre o qual estávamos falando agora a pouco com Jacques Rivette, quando Jules Berry, que está vestido como um padre, volta para a casa que ele fundou e encontra Lefèvre instalado em seu lugar. Lefèvre diz a ele: “Se eu te matasse, quem sentiria falta de você?” E o padre, Jules Berry, responde: “As mulheres, meu querido!” Eu conto muito mal essa história, não consigo torná-la divertida, mas quando Jules Berry diz isso, é algo notável. Bem, isso é improvisação. Estávamos conversando quando, de repente, Prévert teve essa ideia, e foi assim. O filme foi realizado nesta atmosfera divertida e de colaboração. Éramos um grupo de amigos, de modo que se há um filme de amigos, este era um deles."

Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, João Bénard da Costa escreveu que "(...) alguns aspectos fundamentais deste filme, desde a concepção do personagem de Lange até a sequências como a do jantar, são mais de Prévert do que de Renoir e reflectem mais, com o seu idealismo e populismo, o universo do primeiro? A atenta visão do filme e a comparação com outras obras de Renoir provará que essa hipótese não tem grande razão de ser. Para falar apenas de filmes mais conhecidos, Lange não é muito diferente do primeiro Legrand de La Chienne (o Legrand de antes do sexo e do crime) como não é muito diferente de Toni ou do Jurieu de A Regra do Jogo: limita-se a evoluir num outro contexto e numa outra direcção. A sua fuga para a ficção e para o mundo do Arizona Jim corresponde ao mesmo impulso que levou Legrand a pintar ou Jussieu a voar. Todos eles são exemplos flagrantes dessa impotência masculina frente à força das mulheres, tão típica do universo de Renoir. Repare-se que Lange é conquistado por Estelle e Valentine e que esta última é motor fundamental do seu sucesso e do seu crime." 

Já Jacques Lourcelles, no seu Dictionnaire du Cinéma, escreve que "disse-se e repetiu-se: o filme está totalmente impregnado com o espírito da frente popular. Camaleão ideológico, Renoir escolhe expressar esta ideologia sob a forma idealizada mas contundente de uma espécie de conto de fadas, segundo a expressão de François Truffaut. A Fada Má surge aqui com os traços do ignóbil Batala (Jules Berry no seu papel mais famoso, mas não o mais subtil nem o mais completo). Contra ele ligam-se como um todo os bons, os simpáticos e os generosos : trabalhadores, proletários e até herdeiros abastados quando são loucos o suficiente para aderir aos ideais da cooperativa sem sequer saber o que é uma cooperativa (a personagem de Henri Guisol, filho do principal credor). O filme rodado sem improvisação respeita à letra o argumento mais militante e mais combativo que Prévert escreveu. A mensagem libertária do filme não se contenta em exaltar os méritos e a perfeição moral do empreendimento autogerido; justifica o assassinato do vilão santificando-o por assim dizer com a aprovação de um júri popular (encarnado simbolicamente pelos clientes do bar a quem a intriga é contada). Formalmente, Renoir traz ao credo de Prévert a efervescência de vida suscitada nomeadamente pelo emprego de uma técnica de planos longos, movimentos de câmara de trajectória sinuosa e imprevisível onde se vêm cruzar os diferentes tipos de humanidade que se movem pelos corredores, os ateliers, o alojamento e o pátio do pequeno prédio que abriga a tipografia Batala. Todos os actores – um bando de admiráveis colegas vindos em parte do grupo «Outubro» – são excelentes. No plano da interpretação, Renoir consegue reunir um lirismo espontâneo, obtido mais especialmente pelas actrizes, e um sentido da caricatura excêntrico ou mordaz. Para além de todo o realismo, a síntese destes dois tons comunica uma impressão de verdade preciosa e inesquecível."

Até Terça-Feira!

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