Na segunda sessão do nosso novo ciclo com os Encontros da Imagem viajamos com Werner Herzog até ao Sul de França, até às grutas de Chauvet-Pont-d'Arc, berço da arte humana milagrosamente conservado por um deslizamento de terra. Desta feita no GNRation, A Gruta dos Sonhos Perdidos é a nossa próxima sessão.
Sérgio Alpendre, que nos apresentou filmes de Cecil B. DeMille, Martin Scorsese e Charles Chaplin no passado, escreveu sobre o realizador para a Mostra Ecofalante em 2018, dizendo que "pensar nas linhas de força no cinema de Werner Herzog não é tarefa fácil. Com carreira de meio século, mais de meia centena de longas-metragens e variações de registros que o acompanham desde o início, qualquer historiador sente-se intimidado e ao mesmo tempo desafiado. Pode-se apontar o caráter obsessivo de grande parte de seus personagens (de Aguirre a Fitzcarraldo, mas também personagens de filmes como Strozsek, O Grito da Montanha, Invencível, The White Diamond, Grizzly Man, Polícia sem Lei), uma obsessão que não raramente leva à loucura (os delírios de Aguirre, sozinho com os macacos e a morte na jangada são inesquecíveis) e é herdada claramente das obsessões do homem que está por trás da câmera. Ou o fato de que alguns deles, talvez os mais notórios, apresentem um grau elevado de autismo (Sinais de Vida, Coração de Gelo, Stroszek, Woyzeck, Nosferatu, Meu Filho, Olha o que Fizeste!), ou sejam vítimas de um cruel e desumano isolacionismo causado por deficiência física ou mental (Letzte Worte, No País do Silêncio e da Obscuridade, O Enigma de Kaspar Hauser). Pode-se, também, como nove entre dez críticos que se debruçam sobre sua obra, falar da potente relação do humano com a natureza, e da maneira como essa relação por vezes envolve um confronto extremo e audacioso (novamente Aguirre, a cólera de Deus, Fitzcarraldo e Grizzly Man, mas também Fata Morgana, La Soufrière, Wo die grünen Ameisen träumen, Lektionen in Finsternis, Julianes Sturz in den Dschungel, The White Diamond, Encounters at the End of the World e A Gruta dos Sonhos Perdidos). E pode-se, de modo mais sucinto, resumir toda sua obra cinematográfica de ficção (e boa parte dos documentários) a uma única e taxativa palavra: loucura. De que outro modo, que não louco (no bom sentido, porque no sentido artístico), classificar o diretor que faz Os anões também crescem de baixo (1970), um dos filmes mais insanos de que se tem notícia? De que modo entender sua atração por atores que compartilham com ele o mesmo tipo de loucura, de ir até o fim em seus papéis e de agir como verdadeiros maníacos na frente da câmera: após Klaus Kinski, podemos lembrar de Peter Blogle (o personagem que enlouquece em Sinais de Vida chama-se Stroszek), Bruno Ganz, Nicolas Cage e Michael Shannon, além da atração pelo trabalho de Bruno S, ator que serve perfeitamente a Herzog em dois filmes marcantes (O Enigma de Kaspar Hauser e Stroszek)."
Num especial do site Mubi sobre o cinema em 3-D no século XXI, o director de fotografia do filme, Peter Zeitlinger, escreveu que "na primeira vez que entrámos na gruta tivemos que filmar imediatamente. Não houve reconhecimento. O Werner Herzog tinha sido a única pessoa da equipa a ver a gruta uns meses antes. Levamos connosco o equipamento espelhado tosco fornecido pela British Technical Films. Tinha sido utilizado antes em vários anúncios em condições de estúdio. Depois de apenas alguns metros no interior da gruta decidimos deixá-lo para trás, porque não era possível encaixá-lo pelo túnel estreito.
"Uma vez que só tínhamos umas horas para rodar o filme todo tivemos que rodar fosse como fosse. O Werner disse, "Pega em fita adesiva e cola ou qualquer coisa do género. Põe as câmaras lado a lado e vamos a isso." “Consegui construir uma macro-extensão com um rolo de papel higiénico numa tenda no Antárctico para filmar dentro de um microscópio científico,” respondi eu, “mas devíamos voltar e tentar no dia que vem".
"Passado um momento, o Werner passou-me dois suportes de braços mágicos para a câmara. "Não consegues usar isto?" Arranquei as câmaras do equipamento espelhado e fixei-as lado a lado nos braços mágicos. 10 minutos depois começámos a rodar as pinturas secretas da caverna. Filmei da anca sem visor. Passámos por cima do alinhamento complicado das câmaras 3-D e resolvemos o assunto à noite em Cineform (Software)."
Em entrevista à revista Archaelogy, e quando lhe perguntam o que é que o atraiu na caverna de Chauvet, Herzog responde que "é uma das maiores e mais sensacionais descobertas na cultura humana e, claro, o que é tão fascinante é que ficou preservada como uma cápsula do tempo perfeita durante 20,000 anos. A qualidade da arte, que é de um tempo tão distante e tão secreto na história, é assombrosa. Não é que tenhamos o que as pessoas poderão chamar de começos primitivos da pintura e da arte. Está ali mesmo como se tivesse irrompido em cena perfeitamente acabado. Isso é o que é assombroso, entender que a alma humana moderna acordou de alguma forma. Não foi um longo sono e um despertar lento, lento, lento. Acho que foi um despertar bastante repentino. Mas quando digo "repentino" pode ter durado mais de 20,000 anos ou assim. O tempo não é um factor quando se retrocede a uma pré-história tão profunda."
Até logo!
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