quarta-feira, 27 de outubro de 2021

212ª sessão: dia 27 de Outubro (Quarta-Feira), às 21h30


Foi este ano que estreou finalmente um filme talvez apenas conhecido pelo público regular da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema e dos Encontros Cinematográficos do Fundão (cuja edição deste ano começa já na Sexta-Feira). O único e belíssimo filme de Manuela Serra, O Movimento das Coisas, é a nossa próxima sessão na blackbox do GNRation.

No Jornal dos Encontros de 2011, o realizador Manuel Mozos introduz a obra "citando João Bénard da Costa sobre o filme O Movimento das Coisas: das múltiplas singularidades do cinema português, este filme e o seu destino são um dos casos mais singulares, aplicaria este pressuposto a Manuela Serra, a sua realizadora. 

"Nascida em Lisboa a 31 de Maio de 1948, estudou psicologia, curso que abandonou para, em Bruxelas – cidade a que chegou em 1971 – ingressar no Institut des Arts et Difusion (IAD), onde estudou cinema durante um ano e meio. Com o 25 de Abril de 1974, decidiu regressar a Portugal, abandonando o curso e, a convite de Rui Simões, que também frequentara o IAD, trabalhou como assistente de realização, e na montagem de Deus, Pátria, Autoridade (1975), por este realizado. 

"Entre 1975 e 1976, fundou, juntamente com Antónia Seabra e os ex-colegas do IAD – Rui Simões, João Brehm, Dominique Rolin, Gérard Collet e Richard Verthé – a Cooperativa de Cinema VIRVER. Participou nos trabalhos desenvolvidos pela Cooperativa, nos mais variados sectores: argumento, assistência de realização, produção, montagem, bem como animações culturais. No filme Bom Povo Português (1980), de Rui Simões, para além de ter sido assistente de realização, e ter participado no argumento, na produção e na montagem, teve também um breve desempenho como atriz, numa das raras sequências encenadas desse filme. 

"Em 1979 partiu para a rodagem da sua primeira e única obra enquanto realizadora: O Movimento das Coisas."

Em entrevista ao mesmo Manuel Mozos e para o mesmo jornal, a realizadora Manuela Serra admitiu que "Lanheses foi a minha aldeia eleita. Depois de Alentejo, Beira e Minho, verifiquei que no Norte as pessoas eram mais abertas, respeitavam-me quando entrava sozinha num café ou restaurante, ao falar da ideia do filme manifestavam recetividade e interesse. O Minho é mais alegre que a Beira e no Alentejo olhavam-me com desconfiança. Encontrei em Lanheses uma harmonia entre o rio, o largo, a igreja, o entrecruzamento da população, uma arquitectura ainda preservada, e também uma simpática pensão com abertura para aceitar uma equipa de filmagem um pouco excêntrica. Ficção, documentário, acho que fiz um bom casamento. Dando exemplos talvez seja mais fácil. Quando fiz a Isabel olhar para trás ao descer da camioneta (no largo) no regresso da fábrica, foi ficção pura, não foi pedir-lhe que representasse o seu próprio papel, foi para servir a minha ideia, olhar para trás, que sublinhei com o paralítico. Também a velhota que, sentada à mesa, bebe uma malga de vinho e olha a câmara é ficção. Quando se colocou a câmara fixa em tripé no largo e se esperou que acontecesse, uma mulher de trocha à cabeça, uma carroça que vem do campo e atravessa o largo, grupos de homens à conversa aqui é documentário, não houve planificação, só montagem."

Para o Ípsilon, por alturas da estreia tardia do filme, o José Oliveira escreveu que "O Movimento das Coisas, concretizado entre 1978 e 1985, nunca chegou a estrear comercialmente em Portugal. Manuela Serra, a realizadora, faz parte de um grupo muito estrito no mundo do cinema, ao lado de nomes como Charles Laughton, Barbara Loden, Peter Lorre ou Marlon Brando, entre outros muito raros, por demais corajosos. Ou seja, assinou só um filme, mas tocou em tudo o que importa no Cinema como na Vida, matéria e espírito – «um filme que vale por muitas vidas e múltiplos filmes» disse recentemente uma jovem admiradora a Manuela Serra na sessão de apresentação da cópia restaurada na Cinemateca Portuguesa. A história é conhecida por alguns: depois do 25 de Abril e na febre de liberdade e de cooperativas que pudessem alcançar e manejar tal sede, Manuela Serra, sempre valente, meteu-se num automóvel e, depois de tentar o Sul, os Centros e outras latitudes, foi parar ao Norte a conselho de uma sua conhecida antropóloga chamada Carol, encontrando o seu Paraíso numa pequena terra encravada entre Braga, Ponte de Lima e Viana do Castelo. 

"Lanheses, assim se chama esse Paraíso Perdido em relação ao caos do nosso dia-a-dia que aprendemos a abraçar como habitual, encerra ainda hoje uma beleza original que parece conservada desde os inícios da criação, e Manuela obteve-a imediatamente e em estado de graça por uma limpidez de aproximação e de olhar que todos os segredos e essências lhe retribuiu. Lanheses aparece na tela como lugar de beleza desmesurada, carregada de tempo sem tempo, espaço para todos os encantamentos e harmonias, numa abstração sem idade. Toda a inocência, as brumas e as águas densas e claras, os sentimentos e sentidos belos que inundam o filme, não são criação e forçamento da maquinaria, imaginação ou da técnica do cinema, mas estão lá, de raiz, emergindo em abundância numa única e fulgurante comunhão entre o que se filma e como se filma, quem representa e quem apreende, natureza e intenção. Para quem, como eu, nasceu e cresceu nessa zona, a experiência é de absoluta fidelidade e novidade, as coisas vistas e escutadas de muito perto ou de muito longe, olhadas como eu as conheço e como nunca as vi, tão nítidas ou finalmente libertas das ideias feitas ou do fenómeno das coisas. Lembro-me de a minha mãe cantar a música popular A Chibinha na cozinha ou a cortar feno, mas quando ela aparece no filme tudo se volve união estelar, transfiguração e catarse."

Até Quarta!

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