quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Pierrot le Fou (1965) de Jean-Luc Godard



por Joaquim Simões

Pierrot Le Fou é um filme que conta a história do “último casal romântico”, segundo as palavras do realizador, Jean-Luc Godard. Famoso por quebrar radicalmente com as convenções do cinema tradicional da altura, polémico pela forte carga política e analisado pela sua inovadora estética influenciada pela arte pop, o filme é por vezes também aplaudido por ser belíssimo, uma profunda exploração do amor romântico, uma ode genuína à literatura, à pintura e ao cinema, e uma aventura inesquecível. 
 
Ferdinand, representado pelo recentemente falecido Jean-Paul Belmondo (e imortalizado como pouca gente tem a honra de poder ser) é um homem casado e infeliz. Foi despedido de um trabalho de que não gostava. Sabemos isto depois de sermos introduzidos a ele na banheira, a fumar, enquanto lê à filha um excerto didático sobre Velasquez. Quando Ferdinand encontra, ou antes, reencontra, nessa mesma noite a sua ex-namorada, Marianne, representada por Anna Karina, deixa a mulher e a filha e vai com Marianne para o seu apartamento. No dia seguinte, após uma cantiga amorosa, tudo muda. Ouvimos a frase: “Eu vou-te explicar tudo”, dita repetidamente por Marianne em voz off, enquanto percorremos um apartamento em construção, repleto de armas e caixas de munições, malas de viagem, poltronas amarelas, quadros impressionistas, um fogão, um frigorífico e um homem morto deitado de costas na cama com o que parece ser um pincel espetado nas costas e uma forte mancha de sangue (aliás, tinta vermelha). E é precisamente quando ela diz esta frase que o filme deixa de dar explicações: começa então a aventura do casal, a sua fuga da sociedade e a tentativa de viver uma vida contida na esfera do seu amor intenso e destrutivo. 
 
A famigerada máxima de Godard, que diz que as histórias devem ter um princípio, um meio e um fim, mas não necessariamente por essa ordem, parece um eufemismo se aplicada a Pierrot, cuja narrativa serve quase como desculpa para uma atividade criativa sem limites. E, no entanto, esta ausência de estrutura narrativa pressupõe um amor e respeito enormes pelo ato de contar histórias, amor que aliás permeia todo o filme: a dada altura os dois personagens recorrem até a este recurso para fazer dinheiro, e perto do final do filme temos o prazer de ouvir a história comovente de um casal que nunca se separou, e certo dia o homem tem de partir numa viagem – mas não é aqui o lugar para a contar. O melhor é mesmo ver o filme.

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