segunda-feira, 25 de outubro de 2021

211ª sessão: dia 26 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Índia, de 1959,  surge no rescaldo de uma grande crise na vida pessoal e criativa de Roberto Rossellini. Foi o primeiro filme depois de um vazio de cinco anos e pode ser visto como um segundo nascimento na obra do italiano. É a nossa próxima sessão no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.

No ano de estreia do filme, Jean-Luc Godard escreveu nos Cahiers du Cinéma que "enquanto não chega um estudo mais pormenorizado, algumas palavras de passagem: India é um filme de técnico apresentado em Cannes, juntamente com Hiroshima, mon Amour. Os outros, Nazarin e Les 400 Coups, eram filmes de aventureiros da película. India é o contrário de Orfeu Negro, no sentido em que o filme de Rossellini continuaria a ser belo, mesmo que tivesse sido rodado em Joinville. Mas isso não tem qualquer importância porque, como diz já não sei que livro da sabedoria, a verdade está em tudo, mesmo, parcialmente, no erro. Acho este "parcialmente" sublime. Explica tudo. Explica que o plano sobre o tigre seja em 16 mm ampliado e o contracampo sobre o velho em 35 mm. India segue a direcção oposta de todo o cinema habitual: a imagem nada mais é que o complemento da ideia que a provoca. India é um filme de uma lógica absoluta, mais socrático que Sócrates. Todas as imagens são belas, não por serem belas em si, como um plano de Que Viva Mexico, mas porque reflectem o esplendor do que é verdadeiro e porque Rossellini parte da verdade. Já lá chegou, a esse ponto a que outros só chegarão dentro de vinte anos, eventualmente. India engloba o cinema mundial, tal como as teorias de Riemann e Planck englobam a geometria e a física clássica. Num próximo número, demonstrarei por que razão India equivale à criação do mundo."

Explicando as suas novas ideias em entrevista a Fereydoun Hoveyda e Jacques Rivette, Roberto Rossellini declarou que "não quero deixar de dizer quais são as minhas preocupações de ordem moral. A arte abstracta passou a ser a arte oficial. Consigo compreender um artista abstracto, mas não consigo compreender que a arte abstracta se transforme em arte oficial, porque é, verdadeiramente, a arte menos inteligível. Fenómenos como este nunca se reproduzem sem razão. E qual é a razão? É para que se procure esquecer o homem o mais possível. Na sociedade moderna e no mundo inteiro, excepto, provavelmente, na Ásia, o homem passou a ser a engrenagem de uma máquina imensa, gigantesca.

"Transformou-se num escravo. E toda a história do homem é feita de passagens da escravatura à liberdade. Sempre existiu um determinado momento em que a escravatura foi preponderante; depois, a liberdade voltava a impor-se: muito raramente, ou durante períodos muito breves, porque, mal se alcançava a liberdade, imediatamente se reinstalava a escravatura. No mundo moderno, criou-se uma nova escravatura. E o que é essa escravatura? É a escravatura das ideias. E isso acontece através de todos os meios, desde o romance policial, à rádio, ao cinema, etc.. Graças ao facto, também, de que as técnicas se desenvolveram extraordinariamente e que os conhecimentos profundos que estão ao nosso alcance num domínio restrito, para serem eficazes do ponto de vista social, impedem o homem de adquirir outros conhecimentos. Já não sei quem dizia: "Vivemos no século da invasão vertical dos Bárbaros". Quer isto dizer: um extremo aprofundar do conhecimento em determinada direcção e uma imensa ignorância em todas as outras.

"Sempre ouvi dizer, desde que faço cinema, que é preciso fazer filmes para um público com a mentalidade média de uma criança de doze anos. É um facto que o cinema (falo do cinema em geral), tal como a rádio, a televisão ou todos os espectáculos dedicados às massas, dá origem a uma espécie de estupidificação dos adultos e, em contrapartida, acelera enormemente o desenvolvimento das crianças. Daí vem essa falta de equilíbrio que constatamos no mundo moderno: da impossibilidade que há de nos compreendermos."

Já João Bénard da Costa, para o catálogo «Roberto Rossellini e o Cinema Revelador», publicado pela Cinemateca Portuguesa em 2007, pediu-nos para retermos "estas ideias: penetrar no interior das coisas; importância das ideias sobre a importância das imagens; dizer e explicar e não apenas mostrar; numa palavra, - palavra que ele disse - pedagogia e não arte.

"Eis reunidas, a meu ver, todas as chaves para India, primeiro passo para dar a conhecer à humanidade "um sexto do género humano", primeiro passo para a luta contra o que chamou "a invasão vertical dos Bárbaros".

"Como tantos outros, Rossellini fez da sua viagem à Índia uma demanda espiritual, busca das origens, busca da mãe. Desesperando encontrar uma solução no Ocidente, julgou entrevê-la no Oriente, ou, pelo menos, na Índia como parte dele. Se assumiu o didactismo - ou se pôde parecer didáctico - foi porque queria ensinar a todos essa lição. India é o prefácio à educação integral que ele veio a preconizar, no fim da vida, num livro de 1976."

Até amanhã!

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