por Carlos Fernandes
Schoenberg iniciou a escrita do libreto desta ópera quando já se expectava a possibilidade de um novo “Êxodo” na Europa. A partir de 1920 as manifestações anti-semitas eram tão descaradas que ele próprio, unicamente por ser judeu, foi obrigado a abandonar o hotel onde vivia numa pequena aldeia perto de Salzburgo.
Afundado nesse presente, o compositor e libretista mergulha nos fundamentos de uma história tão remota, quanto transcendental, transportando-a para a contemporaneidade na estrutura de um texto excepcionalmente vinculado a uma partitura matematicamente pura – o serialismo dos 12 tons.
Embora incompleta, esta ópera, foi simultaneamente a obra-prima do século XX para uns e uma coisa inacabada para outros. Mas para Straub e Huillet estava lá o material rigoroso e necessário que lhes permitiu ver nesta ópera um filme.
E Jean-Marie Straub e Danièle Huillet fizeram uma vez mais um trabalho magnífico.
Trabalharam no guião entre 1959 e 70, e filmaram entre 73 e 74 no deserto de Louxor, no vale do Nilo e no anfiteatro italiano Alba Fucens, com som directo sob fundo da Orquestra de Viena pré-gravada.
Tiveram um cuidado extremo com todos os aspectos que pudessem dramatizar deliberadamente a história, construindo um trabalho de câmara com movimentos rigorosos e planos formais em contraponto visual à complexa partitura de Schoenberg.
A magnitude da abordagem no conflito entre a espiritualidade interior de Moisés e a capacidade de Aarão de comunicar com as massas (a primeira dupla liderança da história), bem como a proeza dos “milagres necessários” que Aarão concebe para convencer o povo a seguir Moisés até a terra prometida, são configurações dignas de reverência.
Por fim, a fidelidade ao texto e a tudo – o terceiro acto, que tinha ficado por escrever, surge como um recital sublime apoiado em notas do próprio Schoenberg.
O combate à opressão e o sonho de um mundo novo.
É importante que as coisas mexam.
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