sábado, 25 de abril de 2020

O sonho de um mundo novo. O “Êxodo” de Schoenberg segundo Straub-Huillet.



por Carlos Fernandes

Schoenberg iniciou a escrita do libreto desta ópera quando já se expectava a possibilidade de um novo “Êxodo” na Europa. A partir de 1920 as manifestações anti-semitas eram tão descaradas que ele próprio, unicamente por ser judeu, foi obrigado a abandonar o hotel onde vivia numa pequena aldeia perto de Salzburgo. 

Afundado nesse presente, o compositor e libretista mergulha nos fundamentos de uma história tão remota, quanto transcendental, transportando-a para a contemporaneidade na estrutura de um texto excepcionalmente vinculado a uma partitura matematicamente pura – o serialismo dos 12 tons. 

Embora incompleta, esta ópera, foi simultaneamente a obra-prima do século XX para uns e uma coisa inacabada para outros. Mas para Straub e Huillet estava lá o material rigoroso e necessário que lhes permitiu ver nesta ópera um filme. 

E Jean-Marie Straub e Danièle Huillet fizeram uma vez mais um trabalho magnífico. Trabalharam no guião entre 1959 e 70, e filmaram entre 73 e 74 no deserto de Louxor, no vale do Nilo e no anfiteatro italiano Alba Fucens, com som directo sob fundo da Orquestra de Viena pré-gravada. 

Tiveram um cuidado extremo com todos os aspectos que pudessem dramatizar deliberadamente a história, construindo um trabalho de câmara com movimentos rigorosos e planos formais em contraponto visual à complexa partitura de Schoenberg. 

A magnitude da abordagem no conflito entre a espiritualidade interior de Moisés e a capacidade de Aarão de comunicar com as massas (a primeira dupla liderança da história), bem como a proeza dos “milagres necessários” que Aarão concebe para convencer o povo a seguir Moisés até a terra prometida, são configurações dignas de reverência. 

Por fim, a fidelidade ao texto e a tudo – o terceiro acto, que tinha ficado por escrever, surge como um recital sublime apoiado em notas do próprio Schoenberg. 

O combate à opressão e o sonho de um mundo novo. 

É importante que as coisas mexam.

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