por Duarte Carvalho
Após a visualização destas duas curtas, existe a sensação de que estamos a ser introduzidos a uma nova cultura, num resort transatlântico em dia de passeio, por um brilhante guia, Aimé Césaire.
A civilização que nos é apresentada é das ilhas Antilhas, marcada por séculos de escravatura e exploração de pessoas e terras. Passamos pelas marcas da história visíveis no território, algumas antigas, outras pequenos memoriais mais recentes do que se passou. Ao longo da explicação é-nos introduzido o conceito de Negritude, a ligação partilhada entre os descendentes dos escravizados, espalhados por todo o mundo mas principalmente nas ilhas Antilhas, nos Estados Unidos e em África. O nosso guia acredita que esta ligação ajuda a evolução económica, cultural e evolutiva, e segundo ele, permite à árvore, finalmente, encontrar os nutrientes para que consiga crescer, florir e deixar a sua dependência e não sendo suficiente ganhar, por fim, força própria.
Começamos numa jornada que parte como a dos escravos, pela porta do não retorno, fazendo lembrar as portas de Auschwitz; passamos pelo equivalente do palácio de Versailles, Citadelle Laferrière, onde nos é contada a história “trágica como Shakespeare” do primeiro rei do Haiti; e terminamos a primeira curta numa ruína de uma fábrica colonial, a Bibliothèque Schœlcher, e num memorial às vítimas da escravatura, onde é entrevistado Césaire. Esta visita mostra o caminho de reconstrução, reconhecimento e evolução que terá de ser percorrido pela população de Martinique. A segunda curta mostra o dia-a-dia desta ilha, o mercado, a arte local, as casas e uma construção em desenvolvimento.
Para além destes sítios são introduzidos alguns dos heróis da Negritude mais proeminentemente das Antilhas: Toussaint Louverture, governador do Haiti, descrito por Césaire como uma fusão de Napoleão com Spartacus. Louverture é conhecido pelas suas vitórias e sucesso em combate e por liderar a primeira e maior revolução de escravos sendo um símbolo de heroísmo para as colónias e um terror para os colonizadores nas Américas. Outro herói, Henri Christophe, o primeiro rei do Haiti e concretizador da formação do estado após revolução começada por Toussaint, marcado pela sua influência para o bem e para o mal dos monarcas europeus. E por fim, Patrice Lumumba, que na era de Kennedy e Martin Luther King partilha muitas das suas características, até na morte.
Césaire, como um guia de turistas, usa a língua francesa dos visitantes, mas também usa hábitos de expressão, comunicação visual, narrativa e expressiva, produz peças de teatro, poesia, citando como referências escritores francófonos e usando pontos de referência da história europeia, da qual parece ser um grande conhecedor. A certa altura evoca como comum às duas culturas o surrealismo, do qual admite ser admirador acreditando ser a ponte entre as duas culturas. Nas entrevistas aqui presentes parece estar numa constante busca do seu lugar, recusa-se a ser francês para não querer dar poder ou legitimidade à ainda abusadora e ex-esclavagista europa, e ao mesmo tempo sente-se demasiado rebelde para a sua ilha de Martinique, que aparenta ter aceitado a situação em que se encontra.
Césaire, admitindo o peso da natureza que o rodeia, acredita que membros desta grande família africana, separada forçosamente, reencontrar-se-á na expansão das suas raízes. A jornada dos povos das Antilhas é antítese da jornada europeia, ao invés da expansão, há nos descendentes de escravos uma busca e descoberta do interior - tal como os antigos edifícios coloniais inevitavelmente foram engolidos pela natureza, também as semelhanças entre os homens prevalecerão sobre as suas diferenças.
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